::Bairro do Cerco::
Como é morar num bairro considerado à margem?
Editorial
Afinal, como é morar num bairro considerado à margem?
Caminhar pelas bordas das fronteiras territoriais de uma cidade é, na maioria das vezes, um exercício de supremo funambulismo: um equilíbrio necessário, ora para policiar os eventuais estereótipos, ora para vencer o medo que algumas notícias negativas persistem em impor à nossa construção social da realidade.
É o que sucede com estas reportagens multimédia, que agora veem a luz do dia no #infomedia, depois de 5 meses de investigação, terreno e trabalho. É um puzzle coletivo de sons, fotografias, vídeos, mapas, discursos dissonantes e expressivos, fruto da troca de ideias de relação entre pares e solidariedade. Mas não foi sem sentirem o peso do receio e de muito ceticismo que os finalistas de Jornalismo da Universidade Lusófona do Porto (ULP) puseram pés ao caminho, para desbravar estórias sobre o Bairro do Cerco. Ainda que a votação da nossa redação tenha elegido o tema como essencial para desenvolver como trabalho final à unidade curricular de géneros jornalísticos, foram muitos os discursos relapsos e dissuasores para que avançássemos para o terreno.
Os estudantes sentiram que estavam a ser lançados para a “linha de fogo” - das suas próprias generalizações apressadas-, contaminados por ideias feitas. A boa notícia é que estes futuros jornalistas não voltaram os mesmos desta experiência no terreno. Regressaram mais maduros, tolerantes, modestos. A grande notícia é que, além de terem escavado estórias com extraordinário valor-notícia, despojaram-se do preconceito, e aprenderam a lição da humildade, tão basilar ao exercício jornalístico. É preciso ouvir os Outros, com respeito e tolerância. É urgente ouvir. É preciso saber do contraditório, do contexto, dos contextos e que, no final das contas, é sempre mais aquilo que nos aproxima do que aquilo que nos separa.
A margem somos cada um de nós, de cada vez que colocamos limites ao nosso trabalho jornalístico, pois deixamos, desde logo de o fazer. A margem é a proteína essencial para indagar sobre os muros e as invisibilidades da nossa cidade, da nossa comunidade, por vezes, inclusive, demasiado visível pelas piores razões, que até ofusca.
Foi, por isso, transpondo a ideia de periferia, que os finalistas de Ciências da Comunicação da Licenciatura de Jornalismo da ULP fizeram emergir uma série de reportagens multimédia e que compõem a anatomia deste corpo coletivo: Bairro do Cerco, como é morar num bairro considerado à margem?
O preâmbulo contextual é feito a seis mãos: Gabriela Bernard, Rafael Moreira e Inês Fernandes, em “Conhecer o Bairro do Cerco”. Catarina Dias e Ana Francisca Rodrigues desafiam-nos a explorar “A vida do outro lado do Cerco”. Já Daniel Dias e a Susana Oliveira garantem que no “Cercar-Te os miúdos do bairro estão bem”, mostrando o mundo do Cerco como um porto seguro para quem nele habita, muito além das estatísticas de criminalidade e de delinquência. Nesse mesmo embalo, a Rosária Gonçalves e o Vicente Garim trazem-nos a história de vida do “João d’A Maceda”, o ponto de encontro de muitos moradores do bairro, para o convívio, os jogos de sueca e, claro, a boa mesa dos petiscos. É a partir do convívio, do amor e da solidariedade encontradas, que a Ana Patrício e a Ana Luísa amplificam “A voz da terceira idade”, dando pistas sobre como se vive no bairro do cerco pelos olhos de quem amadurece nele.
Ana Rita Castro, Mara Craveiro e Patrícia Dias levam a batuta para outras cadências, através do universo da afamada “Orquestra Juvenil da Bonjóia”, com uma forte ligação ao bairro, provando que a música muda vidas. Ah! E por falar em vidas que se transformam: Raquel Batista traz-nos o lado menos conhecido da comunidade, com a reportagem “Militares do Bairro” refletindo sobre o drama de quem esteve já em contexto de guerra, como é o caso de Márcio Durão, o qual participou numa missão de segurança no Kosovo, para preservação e conservação da paz no território. Por seu lado, Eduardo Costa e João Rocha fazem uma viagem no tempo, para resgatar do arquivo de memórias a história e a importância do “Futebol Clube do Cerco”, fundado em 1966 e que fechou portas em 2011. Agustina Uhrig Pousada, estudante de intercâmbio Erasmus, escreve-nos em castelhano sobre o trabalho da Associação do Porto de Paralisia Cerebral, referência na inclusão social - “APPC: incluir a las personas con parálisis cerebral en el día a día”.
E já que falamos de inclusão social, Tiago Fonseca foi conhecer o projeto Cerporto: um projeto que dá vida ao cerco, sobretudo às crianças do bairro.
Numa analogia com a palavra Cerco, Patrícia Sofia Pereira aborda o que é ser jovem nesta comunidade: “Cercados: Os Jovens do Bairro, será diferente a educação, na parte oriental e ocidental, da cidade?” Diana Nogueira traz-nos, por fim, o exemplo de um projeto que soube integrar e saltar o muro, o “OUPA!CERCO”, que já em 2016 mostrara ao atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quando visitou o bairro, que o Cerco sabe rimar ao ritmo de hip hop.
No capítulo extra, final, cada um e cada uma reflete, em jeito de metanarrativa, sobre o processo jornalístico. É daquelas reportagens para ler, então, com notas de rodapé.
As coordenadas estão dadas. Eis as nossas propostas para navegar e conhecer melhor como é morar no Bairro do Cerco.
Vanessa Rodrigues, jornalista e docente em Jornalismo na ULP

Conhecer o Bairro do Cerco - Bloco 17
Na década de 90 do século XX, o território nacional distinguia duas grandes concentrações metropolitanas: a de Lisboa com cerca de dois mil habitantes e a do Porto, perto de mil e duzentos habitantes. Estas duas áreas formam, até hoje, territórios que agregam as zonas que representam, em Portugal, os mais elevados índices de decomposição urbana nessa altura. Os espaços exibem um estilo de vida instável e frágil devido à crescente fragilização dos níveis de atividade económica, resultante de uma imensa reestruturação do tecido empresarial que trouxe novas reivindicações ao nível da formação técnica e profissional, com resultados no aditamento dos níveis de desemprego e na gradual divisão social da população ativa. Estas intervenções não podem deixar de ser associadas ao desgaste físico e social das condições de habitabilidade e de vivência nestes contextos urbanos.
O Bairro do Cerco do Porto está localizado na freguesia de Campanhã, na parte oriental da cidade, entre as ruas de Vila Nova de Foz Côa, do Peso da Régua e a Estrada da Circunvalação. Foi inaugurado em 1963, constituído por 32 blocos. Em 1991 foi feita uma ampliação na qual o Bairro passou dos 32 para os 34 blocos atuais. Acomoda, no presente, cerca de 2087 pessoas, sendo que é o bairro com mais residentes e o segundo maior no que diz respeito ao número de habitações - o primeiro é o Bairro das Campinas, situado na freguesia de Ramalde.
Foi um bairro construído ao abrigo do Plano de Melhoramentos para a cidade do Porto – plano existente entre 1956 e 1966 -, tendo compreendido variadas alterações devido às várias entidades que dinamizam, constantemente, projetos artísticos e desportivos. A aposta no talento da juventude está a mudar mentalidades e a introduzir autoestima.
Apesar das inúmeras iniciativas, existe uma má fama em torno deste Bairro, devido ao tráfico de droga, à pobreza e à exclusão social. O tráfico de estupefacientes é incessante ao longo das 24 horas do dia e as redes do Bairro são conhecidas por confrontarem frequentemente a autoridade policial que, sistematicamente, é recebida com violência.
“As malhas que a droga tece – entre consumidores, traficantes e recetadores – cimentou também aqui as cumplicidades entre muitos vizinhos, o que, como em outros bairros, dificulta cada vez mais a ação repressiva da polícia.”[1]
[1] Alfredo Leite e David Pontes, “Investimentos da Câmara do porto dificilmente evitam insegurança. O medo dos bairros maus”, Público Local, 12 de outubro de 1997.
O URBAN é um projeto comunitário que tem como objetivo a renovação das zonas urbanas carenciadas tanto a nível social, económico como urbanístico. No caso do Bairro do Cerco do Porto, o URBAN pretende, sobretudo, trabalhar na dinamização local, na valorização de atividades económicas locais, na criação do emprego local, na requalificação urbana e ambiental, entre outros.
Como está representado no gráfico abaixo, o Bairro do Cerco do Porto passou por uma redução no que diz respeito ao seu número de habitantes comparativamente com o ano de 1994, em que continha cerca de 3610 residentes. Esta alteração fez-se sentir pelos moradores, no entanto, ainda que o número de habitantes tenha diminuído, estes acreditam que a possível chegada de outros pode afetar ainda mais a sua qualidade de vida.
Posta esta contextualização sobre o que se consta do Bairro do Cerco, foi-nos proposta uma investigação jornalística - referente à cadeira de Géneros Jornalísticos, da Universidade Lusófona do Porto -, neste mesmo espaço, propondo-nos a descobrir algumas das inúmeras histórias lá existentes.
Decidimos focar-nos nas questões a nível das mudanças existentes desde a construção do bairro até aos dias de hoje, incidindo na segurança e nas condições habitacionais e, como é, no fundo, residir num espaço que possui carência de investimentos e um cariz social negativo.
Iniciámos o nosso percurso na Praça das Corujeiras, na Junta de Freguesia de Campanhã, onde contactamos com a assistente social Carla Carvalho, que nos elucidou da situação em que o Cerco se encontrava, afirmando que “as pessoas têm uma ideia do Bairro muito influenciada pelo o que os meios de comunicação transmitem, não é assim tão mau e perigoso como se quer parecer”. Disponibilizou-se para fazer uma primeira visita connosco, onde fomos conhecer algumas zonas do Bairro e tivemos o primeiro contacto com um morador do Bloco 19 - cujo nome pediu para não ser identificado -, de 55 anos, que na altura mostrou receio em falar abertamente connosco, não aceitando possíveis gravações do seu depoimento “não quero falar do Bairro, isto aqui é muito perigoso”.
No final desta primeira visita, fomos surpreendidos com uma outra história, que apesar de não a termos trabalhado, revela alguma preocupação: um recém-nascido, de etnia cigana, com problemas respiratórios (e necessidade da utilização de máscara de oxigénio), a habitar num dos blocos que se encontra em total remodelação - situação que está a tentar ser corrigida pela segurança social -, garantiu-nos Carla Carvalho, assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã.
Através de Carla, obtivemos o contacto de um outro assistente social, Jorge Vinhas, que rapidamente se disponibilizou para uma visita ao Centro Social do Cerco do Porto. Numa das visitas a este bairro social, conhecemos Ana Vale, de 35 anos, residente no Bloco 17 do Bairro do Cerco, que aceitou falar connosco e nos levou para o “interior” do seu bloco, onde conhecemos e falámos com algumas/uns das/os suas/seus vizinhas/os, todas/os residentes no mesmo aglomerado de casas: Clara Madalena – 53 anos -, Conceição Ramos – 64 anos -, Orlando Bartolo – 57 anos -, Maria Filomena – 48 anos -, Manuela Braga – 50 anos -, Maria Mendes – 37 anos -, Conceição Ramos – 61 anos -.
Foi então no Bloco 17 que descobrimos como foi crescer neste Bairro, as mudanças existentes desde os seus primórdios, principalmente a nível de segurança e habitação e os estereótipos e dificuldades que se fazem sentir para os residentes.
O grau de segurança do Bairro do Cerco é cada vez menor e isso traz consequências para os moradores. Apesar da descida da taxa de criminalidade, continua a ser um bairro problemático e que muitas pessoas evitam.
A criação de rótulos e de estigmas por parte de uma população residente num bairro tido como “problemático” condiciona, naturalmente, as suas práticas de sociabilidade, as suas formas de adaptação do espaço e, também, as suas estratégias face aos centros de poder e ao planeamento urbano e territorial.
A localização suburbana da freguesia de Campanhã, a estratégia de construção de habitação social e a carência de investimentos feitos nesta freguesia durante muitos anos colaboraram para a situação atual de exclusão urbana e de desgaste habitacional. A fragilidade ou mesmo falta de infra - estruturas básicas (saneamento básico e rede de água), a deterioração dos espaços de uso público e as condições instáveis do parque habitacional são indicadores desta situação, que revela contornos pesados no Bairro.
Foram várias as mudanças que se fizeram sentir neste Bairro que serviu de realojamento a cerca de 50 famílias do demolido Bairro São João de Deus desde a sua inauguração. O companheirismo entre a vizinhança com os novos moradores é nulo, sendo-nos revelado a necessidade de pedir aos vizinhos para vigiarem as suas casas em períodos de ausência.
Em consequência da imagem social mediaticamente estabelecida sobre o Bairro do Cerco do Porto, muitos moradores acabam por ser afetados através de discriminação, sendo muitas vezes necessário mentirem sobre a sua morada de residência. No entanto, muitos deles realçam a existência de um sentimento de pertença ao Bairro, afirmam a solidariedade entre os vizinhos mais antigos e o fácil acesso ao centro da cidade, nomeadamente através de transportes públicos.
Reabilitação
a vida do outro lado do cerco
Reabilitação: a vida do outro lado do cerco
Na zona oriental da cidade do Porto, na freguesia de Campanhã, situa-se o que para muitos representa a insegurança, e uma casa para outros. O Bairro do Cerco é um dos bairros sociais mais conhecidos da cidade, principalmente pela sua má reputação, degradação e suposta insegurança.
Construídos em 1963 e amplificados de 32 para 34 em 1991, os blocos coloridos e revestidos, numa das faces, por azulejos pintados acolhem, segundo a Câmara Municipal do Porto, cerca de 2 087 pessoas num total de 892 lares.
Fora do Cerco, este é caracterizado pelo tráfico de droga, roubos, insegurança, desacatos, etc. Alguns dos moradores afirmam que foi a partir do realojamento dos desalojados do então demolido Bairro de São João de Deus, que começaram a sentir uma maior insegurança e a criminalidade a aumentar no bairro. O bairro São João de Deus, agora praticamente reduzido a nada, era conhecido como o “supermercado de droga do Porto”. Essa foi a principal razão pela qual o então Presidente da Câmara Rui Rio prosseguiu com a sua demolição, obrigando apenas a uma migração dos traficantes.
Atualmente o Bairro do Cerco encontra-se numa fase de transição, as fachadas dos prédios deixam de ter uma cor desbotada para passarem a ter um ar moderno em tons de cinza, mas por enquanto são poucos os que assim se caracterizam. Os toldes que cobrem os prédios em obras, são pertencentes à Domus Social, a empresa responsável pela habitação e manutenção do munícipio do Porto, pertencente à Câmara.
No ano de 2017 foram aprovados os fundos comunitários para a requalificação do bairro, que se vai prolongar até 2020. Com cerca de 5.492.976,50 €, sendo parte do Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional, a Câmara Municipal do Porto pretende fazer a elaboração do projeto de reabilitação/remodelação dos edifícios 1 a 34, e de um projeto do espaço público do bairro.
Com este projeto o município tem em vista não só a melhoria das condições de vida e bem-estar da população bairrista, mas também a implementação de projetos culturais, desportivos e de saúde. Com estes pretendem assim reduzir a delinquência juvenil, o abandono escolar, a promoção da cidadania e aumentar o sentimento de segurança no bairro.
Tendo em conta que grande parte de população do Cerco é de etnia cigana, a Câmara Municipal, não excluí esta população, tendo já sido realizada “uma candidatura para mediadores culturais”, enquanto agentes facilitadores da integração das comunidades migrantes e das comunidades ciganas”. (artigo Domus Social)
A roupa pendurada nas varandas dos prédios, os pequenos grupos de pessoas que regressam a casa do seu trabalho, ou até mesmo da formação que acabaram de ter no Centro de Formação Profissional, o barulho dos carros dos moradores ou dos daqueles que se atrevem a passar naquelas ruas, assim como o lixo que ocupa os espaços verdes, são algumas das características do bairro do Cerco. Simplesmente um bairro, ocupado por pessoas que vêm naquelas fachadas um lar.
Os resultados da reabilitação já são visíveis em alguns dos blocos do bairro, porém outros ainda se caracterizam pela inexistência de porta de entrada e pelos vidros partidos. Um senhor ao qual iremos chamar de nome fictício António que preferiu não se identificar afirma que “Não tem janelas a maior parte dos apartamentos nem portas e atrás é uma autêntica lixeira”, sendo estas as palavras que utiliza para caracterizar o bairro onde cresceu.
Este projeto da Câmara visa rentabilizar os bairros sociais e dar-lhes uma nova vida, o que para muitos se torna numa vantagem e num sinal de segurança, limpeza e integração na sociedade. No entanto no bairro do cerco as opiniões opõem-se às da generalidade como menciona a entrevistada, com nome fictício, Dona Rosa que diz que “esteve bom agora está mau outra vez, há muita droga, é muito porco (…) não é um bairro seguro. Este bairro nunca esteve como está agora.”
Lixeira. É um dos nomes mais mencionados pelos entrevistados. O senhor António menciona que os lixeiros por ordem da câmara não podem entrar dentro do bairro para fazer a limpeza, confirmado também pela Dona Rosa que se mostra indignada com a quantidade de lixo acumulado nos jardins nos quais os seus filhos foram criados. Desta forma, é visível o contraditório das ações da câmara, isto é investe em obras nos blocos no entanto há uma proibição para a limpeza das ruas. O que vai de encontro com o que foi dito pela Dona Rosa “Agora estão a ajeitar, não vai adiantar nada as pessoas que cá vivem (…) são tão porcos tão porcos que vão estragar o bairro outra vez num instante. (…) Estando as casas prontas isto vai ser uma miséria na mesma, eles vão estragar tudo. Viam-se aí jardins tão bonitos (…) todos estragados. Ainda agora fui à feira e fiquei admirada, o lixo era tanto à beira da estrada, era tanto. As pessoas atiram o lixo pelas janelas fora, estragam tudo. E digo obras neste bairro não vai valer a pena. É raro ver-se aqui o lixeiro a limpar.(…) Eu acho que a câmara abandonou um bocado o bairro.”
Os moradores sentem-se abandonados pela Câmara Municipal, assim como vêm o bairro degradar-se aos poucos, enquanto que a imagem transmitida pelo município às pessoas de fora é a de que dedicam tempo e dinheiro às necessidades dos bairristas.
De acordo com estes depoimentos procuramos entrevistar algum membro da Câmara Municipal do Porto para esclarecer estes temas debatidos, e procurar a veracidade dos factos através de fontes oficiais.
Depois da recusa por parte da Câmara de esclarecimentos sobre a proibição de limpeza do bairro do Cerco, falámos com alguns dos varredores de rua. Estes por razões de confidencialidade e para não serem prejudicados internamente não quiseram se identificar.
Os indivíduos que abordamos mencionaram que devido a questões de segurança que se recusavam a trabalhar lá, e pelo que percebemos, é um receio unânime. Porém um dos varredores, que também preferiu não se identificar, pois para além de funcionário da câmara, o seu local de nascimento tinha sido precisamente o Bairro do Cerco, ouve constantemente críticas acerca de um sitio que afirma ter as melhores memórias e “não trocaria por mais nenhum” , sente-se excluído quando para obter aquele emprego decidiu não mencionar a sua naturalidade, caso contrário “não ficava com o trabalho”. Afirma também não compreender os comportamentos e as opiniões dos colegas face ao cerco quando estes se baseiam apenas nos rumores que ouvem sem saber como é a vida lá. “O bairro foi como uma casa para mim, incomoda-me quando as pessoas só ligam ao que ouvem. Não tenho medo de lá entrar”
Metanarrativa
Realizar uma reportagem sobre o Bairro do Cerco foi tanto um desafio pessoal, devido aos preconceitos que se ouvem de ser uma zona problemática, como profissional, apesar de que ainda na fase de iniciantes.
Nunca nenhuma de nós tinha visitado o bairro, então não sabíamos o que íamos encontrar, era um terreno totalmente desconhecido.
A nossa ideia inicial era retratarmos os idosos e a exclusão social a eles ligada, tendo como terreno o Centro da Obra Diocesana de Promoção Social do Cerco do Porto, mas após entrarmos em contacto informaram-nos que só estão autorizados a colaborar com faculdades parceiras. Seguidamente tentamos a Associação de Paralisia Cerebral do bairro, obtendo uma resposta negativa como na Escola Secundária do Cerco, onde pretendíamos investigar o abandono escolar.
Por exclusão de partes, visto que os nossos colegas já tinham temas escolhidos decidimos abordar a reabilitação do bairro, tendo como fontes os próprios moradores.
Iniciamos previamente uma pesquisa acerca da história do bairro e da informação que existe disponível, no site da Câmara Municipal do Porto sobre a requalificação.
De seguida partimos para o terreno onde tivemos primeiramente um pouco de receio pela nossa segurança, no entanto rapidamente nos apercebemos que estavamos seguras. Tivemos alguma dificuldade ao abordar as pessoas, uma vez que estas não se mostravam dispostas a colaborar. As pessoas que cooperaram, maior parte não quis ser gravada ou filmada, justificando por vezes que era por medo e nenhuma quis ser identificada. Então tornou-se dificil a gestão entre a obtenção de material, que verifique a reportagem e o respeito pela vontade de reserva da fonte.
Decidimos também recorrer à Domus Social para esclarecimento do projeto e de algumas questões mencionadas pelos moradores, ou seja como forma de verificação, mas esta não se mostrou imediatamente disponível, sendo que ainda aguardamos o contacto.
Refletindo sobre o processo de investigação, apercebemo-nos que por vezes o medo censura as pessoas e impede-as de partilhar a sua realidade e que, as pessoas que decidem dar a cara, podem também às vezes distorcer essa realidade de modo a não sofrer consequências.
Cercar-Te: os miúdos do bairro estão bem
O tráfico de droga. As rusgas policiais. A taxa de criminalidade. Os assaltos à noite nos blocos mais problemáticos. Os conflitos com a comunidade cigana. Já todos ouvimos estas histórias nas grandes reportagens dos jornais. Mas e se a realidade fosse diferente? E se o Bairro do Cerco pudesse ser um porto seguro para quem nele habita? Para as crianças que nele habitam? Vamos conhecer o Cercar-te?
1. Quem quer ir ao Bairro do Cerco?
27 de dezembro, 15h20. Falta a luz dentro do metro que viaja em direção ao Estádio do Dragão. Lá fora, 2ºC e uma chuva que parece não querer dar tréguas. Estamos parados na estação do Bolhão, uma caminhada de quase uma hora até ao Bairro do Cerco.
O metro está parado há cinco minutos. Já devíamos ter voltado a arrancar. O relógio é nosso inimigo neste momento. Tínhamos encontro marcado com Nuno Ferreira no Cercar-te às 16h00. A este ritmo, nunca mais chegamos.
15h30. Finalmente o metro arranca, e conseguimos chegar ao Estádio do Dragão sem mais contrariedades. Ainda está a chover, e temos agora de correr um pouco se não queremos deixar que o nosso atraso se torne gigantesco, mas está tudo bem. O pior já passou, não é mesmo?
Inacreditável. Como é que nos fomos perder? O caminho era tão fácil. O que fazemos agora?
Temos de pedir direções. Debaixo do toldo de um café situado na rua S. Roque da Lameira, um grupo de amigos e amigas abriga-se do mau tempo e mata as horas a conversar. Decidimos falar com um jovem que aparenta ter vinte e muitos anos, visivelmente bem-disposto enquanto ouve uma piada do seu colega. “Amigo, como fazemos para chegar ao Bairro do Cerco?”, perguntamos. O jovem responde-nos com uma nova pergunta e um ar surpreso. “Ao Bairro do CERCO?”, ele acentua.
A pergunta carrega um ar de incredulidade, como se aquele homem não quisesse acreditar que estamos a pedir direções para entrar num dos bairros mais ostracizados e temidos da cidade do Porto. Mas e se não houvesse razão para ter medo?
2. Cercar-te: não precisas de ter medo de vir ao bairro
Nuno Ferreira é licenciado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Fez, também, um mestrado em Estudos Artísticos na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Atualmente, colabora com a Associação Espaço T, e é o coordenador do projeto Cercar-te.
O Cercar-te atua no Bairro do Cerco desde 2013. Inserido no Programa Escolhas – uma iniciativa que, segundo se pode ler no site oficial, tem a missão de “promover a inclusão social de crianças e jovens de contextos socioeconómicos vulneráveis” – e apoiado pelo Espaço T, ele oferece às crianças do bairro um local onde, longe de perigos e num ambiente de família, podem tornar-se amigas. Abriga anualmente entre 100 e 150 participantes. A idade média desses participantes situa-se entre os 6 e os 13 anos.
Do rugby ao karaté, da música ao teatro, das atividades de expressão plástica ao apoio nos estudos, o projeto tenta oferecer os melhores serviços às crianças que deles usufruem. Tudo para que possam, com igualdade de tratamento e oportunidades, desenvolver as suas competências. Tudo para que o estigma criado em torno do Bairro do Cerco seja, dia após dia, combatido.
Mas se queremos compreender o impacto que este projeto tem na comunidade, precisamos primeiro de saber como se organiza, e temos de conhecer o modo como opera o Programa Escolhas, do qual o Cercar-te faz parte.
O Programa Escolhas foi criado em 2001 e a sua sexta geração decorreu entre 2016 e 2018. No site oficial pode ler-se que, nestes últimos três anos, apoiou financeiramente mais de 100 projetos voltados para a prevenção da criminalidade nos bairros sociais e a inclusão social. Foi a partir da quinta geração (2013-2015) que o Cercar-te se associou ao Programa.
Nuno Ferreira – que é ajudado no Cercar-te por um pequeno conjunto de formadores e monitores – salienta que, apesar da ajuda providenciada pelo Escolhas, o orçamento é limitado, e obriga a uma gestão criteriosa. O rugby acarreta custos muito elevados, o que, por sua vez, leva a uma contenção de gastos em tudo o resto.
“Para termos a escola de rugby a funcionar no projeto, temos que alocar àquela atividade um valor monetário significativo”, explica Nuno. Os gastos em transportes são habitualmente muito elevados. Isso, de certa forma, impede que a equipa cresça. Mas o monitor explica que é necessário pensar naquilo que vai ser mais benéfico para as crianças.
“Temos de pensar bem nestas coisas antes de as nossas decisões serem tomadas. O que serve melhor o território? É eu ter aqui mais gente ou ter os miúdos a fazer mais coisas?”, frisa o coordenador.
A equipa poderia ser composta por mais elementos se houvesse um regime de voluntariado a maior escala no Cercar-te, mas quase todos os formadores são remunerados, e esse nem é um cenário que o coordenador queira mudar. Dentro do seu escritório – onde podemos encontrar medalhas referentes a torneios das equipas de rugby ou desenhos do emblema do FC Porto –, salienta que “tem de haver uma fidelização para existir um serviço de sucesso. Um dos problemas do voluntariado é esse: ele é feito de acordo com a disponibilidade do voluntário. Mas o voluntário não paga contas com boas ações. Hoje posso ter o voluntário, mas amanhã, se calhar, ele arranja um emprego e deixa de poder estar cá. Isso não se coaduna muito com o tipo de trabalho que nós temos no terreno. Não é de todo positivo estar a mudar constantemente caras. Eu acredito muito em processos de vinculação neste tipo de trabalho.”
Processos de vinculação, efetivamente, constituem uma das chaves do sucesso do Cercar-te. Quem olha para a relação que une os monitores e dinamizadores às crianças percebe logo isso. E quando ficamos a saber que uma quantidade significativa das crianças que entraram para o Cercar-te na quinta geração do Escolhas ainda fazem parte do projeto hoje, é fácil começar a entender o impacto que teve e tem no Bairro do Cerco.
“Temos este cuidado em trabalhar de uma forma empática e trabalhar com as emoções. Trabalhamos de uma forma muito próxima”, garante Nuno. “Para quem está connosco e se mantém connosco, a mudança é notória”, acrescenta o coordenador.
Esta é a mentalidade do coordenador, para quem acolher as crianças e providenciar-lhes um espaço onde reina a segurança, num bairro frequentemente marginalizado e sempre visto como perigoso, é o mais importante.
Dentre as atividades com que as crianças se podem entreter, o rugby é a que mais entusiasmo desperta. O Cercar-te consegue ter várias equipas a competir nos escalões de sub-12 e sub-14.
Outras atividades, como as de expressões plásticas ou musicais, fazem-se na sala de aula. É aí que os meninos e as meninas brincam, conversam, convivem e aprendem.
3. O fim da sexta geração... E agora?
A sexta geração do Cercar-te (E6G) terminou a 31 de dezembro de 2018. Instala-se agora um problema: o projeto precisa de nova aprovação do Programa Escolhas para continuar ativo. Nuno Ferreira ainda não sabe se existirá um Cercar-te E7G. Afirma que “a candidatura à sétima geração do Programa Escolhas tem um deadline de 21 de janeiro”, acrescentando de seguida que só no fim de fevereiro ou no início de março é que receberá a confirmação da continuidade ou não do projeto.
Enquanto não tem uma resposta, o coordenador do Cercar-te antecipa pelo menos dois a três meses sem financiamento, mas assegura que “a entidade mantém a presença, o espaço físico vai estar assegurado, e os treinos no campo também devem ser capazes de se manter”, uma vez que é a Junta de Campanhã que faz parte do consórcio que suporta os custos dos treinos de rugby.
“Os formadores reduzem a atividade e mantêm-se num voluntariado possível. Os que não puderem estar nesse regime de voluntariado terão que suspender a sua atividade. O apoio ao estudo será mantido e aquelas atividades que consideramos o centro da missão cá serão mantidas. Temos que nos adaptar. Imaginem que hoje a aula de expressão plástica não acontece com a monitora. Fazemos uma coisa mais simples, menos estruturada, mas do ponto de vista lúdico podemos mantê-la. A outra solução era mesmo fechar a porta”, explica, com ar preocupado, Nuno Ferreira.
A possibilidade de o Cercar-te deixar de ser financiado pelo Programa Escolhas é tida em consideração pelo coordenador. “Isso implicaria um novo pensar e um novo olhar sobre a nossa presença no território.” Se o Escolhas deixar de apoiar o Cercar-te, sessenta mil euros anuais deixarão de existir. “Continuamos ou não? E se continuamos, continuamos em que moldes? Deixaremos de ter financiamento para os formadores e a nossa intervenção passa a ter que ser outra.”
Nuno olha, então, para as equipas de rugby como um possível sustento do projeto no futuro, se efetivamente o apoio do Programa Escolhas desaparecer. O coordenador estipula como grande objetivo para 2019 a autonomização da escola de rugby.
Mesmo que o Cercar-te E7G seja aprovado, haverá mudanças significativas face às últimas gerações. Ao passo que as últimas gerações foram de três anos, a próxima será de dois (2019 e 2020). As obrigatórias 40 horas semanais passarão a ser 35 horas.
É, contudo, possível prever que, casa seja aprovado a sétima geração, as 35 horas obrigatórias estipuladas acabarão por ser ultrapassadas na prática. Nuno Ferreira explica que, por causa do rugby e do que a atividade implica, as supostas 40 horas obrigatórias na sexta geração “nunca foram 40 horas. Foram sempre muitas mais. As 40 horas eram feitas de segunda a sábado, mas depois no domingo tínhamos os torneios, os convívios, as competições e por aí fora.”
4. Quem faz o Cercar-te?
Já é antiga a frase que afirma que as instituições são caracterizadas pelas pessoas que as fazem, e o Cercar-te não é diferente.
Nuno Ferreira é o coordenador desde a quinta geração, mas a equipa que o rodeia vai variando. “Há um dinamizador comunitário, que é um jovem ou uma jovem do bairro onde o projeto está a atuar. Essa pessoa desempenha a função de apoio, mediação e dinamização, como o próprio nome indica”, afirma.
O Programa Escolhas estipula que os dinamizadores comunitários têm de mudar de três em três anos, o que muitas vezes acaba por ser difícil para os jovens: estes têm de estar sempre a criar ligações com pessoas diferentes, e precisam de se despedir de pessoas com quem convivem praticamente todos os dias.
A dinamizadora de quem tiveram de se despedir com o chegar das 20h00 do dia 31 de dezembro foi Joana Ribeiro.
Joana Ribeiro tem 26 anos e foi a dinamizadora comunitária do projeto Cercar-te E6G, mas já tinha estado presente na quinta geração com o programa OTL (um programa de ocupação dos tempos livres em projetos de interesse para a comunidade). Participou ainda num projeto anterior ao Cercar-te - o Pular a Cerca. Foi a treinadora dos sub-8 de rugby.
O carinho entre as crianças e Joana é mútuo. Na aula de teatro do dia 28 de dezembro, cada criança teve de escrever no quadro o nome de uma pessoa do Cercar-te que quisessem manter pertinho do coração em 2019. O nome que mais vezes foi escrito foi o de Joana. Esta escreveu “Cercar-te”.
Joana nunca deu as 40 horas estipuladas. Foram sempre muitas mais. “Comecei a vir mais horas para aqui, a conhecer mais as crianças e os problemas que elas têm, e hoje penso que sou a melhor amiga delas. Sentem-se à vontade para vir falar comigo sempre que têm qualquer problema”, afirma a treinadora dos sub-8.
Há emoção na voz e no olhar quando fala da relação que criou com Chico. Este é um menino muito especial para ela. Um menino que nunca gostou muito de abraços mas que passou a adorar os abraços de Joana. A dinamizadora partilha com alegria as memórias de atividades que fez com os meninos do Cercar-te. Mas ao mesmo tempo fala com tristeza quando refere que está prestes a ter de abandonar o projeto.
O coordenador está a tentar arranjar uma solução para que Joana não tenha de se despedir definitivamente do projeto e de quem dele faz parte.
Para além do coordenador e do dinamizador comunitário, o projeto conta também com um monitor do Centro de Inclusão Digital, que está mais vocacionado para as atividades computacionais, e com os formadores das várias atividades - teatro, expressão plástica, canto, musica, karaté, entre outras.
Pudemos conhecer Tiago Lobo, Ricardo Silva e Tânia Moreira.
Tiago Lobo estagiou no Cercar-te no último ano da licenciatura em Criminologia pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) há dois anos. Após os nove meses de estágio, decidiu fazer o programa OTL do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), e deu continuidade ao trabalho que havia começado enquanto estagiário.
Atualmente, está no segundo ano do mestrado em Criminologia, na FDUP, e decidiu fazer mais três meses de programa OTL. As 336 horas de colaboração com o projeto que tinha de cumprir chegaram ao fim no dia 28 de dezembro.
Durante o seu tempo no Cercar-te, desenvolveu alguns projetos com os meninos, como por exemplo o Cercados de Alternativas, um programa de treino de competências sociais para crianças. Esse programa foi desenvolvido no ano letivo de 2016/2017.
Participou ainda no programa Imparável com o Dudu (o menino que carinhosamente abraça na fotografia acima exibida). Este foi um programa de acompanhamento clínico de base criminológica com vista a uma redução dos comportamentos antissociais e a um desenvolvimento mental saudável.
É especial a relação que estes partilham, como se de irmãos se tratassem. Foi o nome de Tiago Lobo que Dudu escreveu ao redor do coração na atividade da aula de teatro.
Ricardo Silva é mais conhecido como Goucha. Foi participante do Pular a Cerca e está com o Cercar-te desde 2013. Já fez o programa OTL, já foi jogador de rugby, e é atualmente estagiário e treinador de rugby do escalão sub-12. Tirou o curso grau 1 através do projeto. “Já percorri os patamares todos deste projeto”, constata orgulhosamente.
É também com orgulho que fala do Cercar-te e de atletas que já treinou e que irão agora à seleção nacional, como é o caso de Júnior e Vanessa.
O nome de Goucha também foi escrito em redor daquele coração pelas crianças.
Tânia Moreira tem 20 anos. A professora de Karaté está no Cercar-te desde abril.
5. Os problemas das crianças e a sua superação
Precisamos de perceber quais eram os problemas e as necessidades que as crianças revelavam quando entraram para o Cercar-te se queremos entender qual foi o seu impacto do projeto na comunidade do Bairro do Cerco e nos jovens que o habitam. Precisamos de saber de que forma o projeto atuou face a esses problemas.
“Aquilo que identifiquei nas reuniões com o coordenador do projeto, mesmo antes de começar a trabalhar cá, era que havia necessidades em termos de consulta psicológica e em termos da terapia da fala, expõe Mário Sousa, psicólogo e terapeuta da fala do Cercar-te desde 2016, esclarecendo de seguida que era necessário trabalhar o desenvolvimento e a estimulação da linguagem, assim como “diagnosticar situações problemáticas que possam ser necessárias de referenciar para outras especialidades nomeadamente para o médico de família ou para otorrinolaringologia ou pedopsiquiatria”.
Explica ainda que, para além dessas necessidades, “há uma diversidade grande de problemas”.
Tiago Lobo afirma que as crianças “têm problemas, mas os problemas que têm aqui podem ser encontrados noutro local. A única questão é que aqui se calhar concentram-se mais.” O mau comportamento, a falta de respeito pelas regras, o fraco aproveitamento escolar e a má maneira de reagir aos conflitos são os problemas mais mencionados pelos monitores e assumidos pelas crianças e jovens.
Mas há uma evolução. Estes problemas estão a ser ultrapassados.
“A nível mental, estão muito melhor comportados do que quando eu cá cheguei. Têm uma autonomia maior. Vê-se em geral uma evolução cada vez maior”, constata Tânia Moreira, a professora de karaté, quando questionada sobre a evolução das crianças. Joana, por sua vez, constata que o aproveitamento escolar é aquilo no qual evidencia mais evolução.
Os programas desenvolvidos por Tiago Lobo já mencionados tiveram, também, um impacto significativo.
Na companhia de Chico, Tiago explica como se desenvolveu o programa Cercados de Alternativas.
E, em conjunto com Dudu, refere como se processou o programa Imparável.
6. O impacto do Cercar-te na comunidade
28 de dezembro, 14h00. Hoje a viagem decorreu sem imprevistos e ninguém se perdeu. Entramos no Cercar-te bem mais cedo que ontem: as aulas de teatro começam logo ao início da tarde.
Hoje o dia é de despedidas. O fim da sexta geração. O último dia de Tiago e Joana no projeto. Vêm aí pelo menos três meses sem financiamento. Pelo menos três meses com um número mais reduzido de atividades.
Respira-se um ar de alegria e tristeza na sala de aula. Mas é sobretudo a alegria que triunfa. A turma do Cercar-te sempre foi, afinal de contas, muito mais do que isso. As crianças tratam-se como família. Tratam os monitores como família.
Mário Sousa e Nuno Ferreira esclarecem o verdadeiro impacto que o projeto teve não só nas crianças que dele fazem parte mas também na comunidade a que pertencem - a do Bairro do Cerco.
Estamos no Bairro do Cerco. Um bairro sobre o qual já se contaram muitas histórias. Mas serão todas essas histórias completamente verdadeiras? A história do Cercar-te é a de um programa que tirou as crianças dos perigos das ruas e construiu uma segunda casa onde elas pudessem ter segurança. É a história de um projeto que, aos poucos e como pode, contribui para o combate ao estigma que existe em torno do Bairro do Cerco.
A sexta geração do projeto chegou ao fim mas a sua história ainda não acabou de ser escrita. O apoio do Programa Escolhas é considerado, pelos membros do Cercar-te, fundamental. Mas a equipa do Cercar-te quer estar preparada para todos os cenários. Quer estar preparada para a possibilidade de um não-financiamento. A equipa quer manter o Cercar-te ativo, custe o que custar, pois os miúdos do bairro estão bem dentro dele.

O João d'A Maceda
O ponto de encontro bairrista
O relógio marca as 11h00 da manhã de um sábado. Na fronteira entre o Bairro Cerco do Porto e São Roque da Lameira fica situada a tasca do “João d’A Maceda”, o ponto de encontro de muitos moradores do Cerco para o convívio, jogos de sueca e petiscos. João Gomes é o proprietário do estabelecimento e recebe-nos com a habitual boa disposição que o caracteriza. Como voz de fundo, uma banda sonora ditada pelo rádio, que para João, é “essencial” para o seu trabalho.
João nasceu na Ribeira do Porto em setembro de 1966. Do sítio que o viu nascer, herdou a alcunha de “João da Ribeira”, pelo qual ainda hoje é conhecido, mas rapidamente se mudou para a zona periférica da cidade do Porto, mais concretamente o Cerco, onde morou durante 23 anos.
Desde o primeiro momento em que começamos a gravar, João reitera que não é de formalidades e que tudo o que diz sai-lhe naturalmente e de coração. Entre tirar cafés e servir “bananas”, uma bebida composta por água das pedras e um licor de banana, João explica-nos como surgiu a compra da sua tasca:
A tasca
A jornada do João na Maceda começou há 8 anos e confessa que nos primeiros anos a dificuldade era acrescida. O conflito das diferentes personalidades e respetivos vícios das diversas pessoas que passam pela sua tasca é o mais complicado de gerir, o que obriga, por vezes, a revelar a faceta mais autoritária do dono.
Na tasca assentam como pilares o respeito e a amizade. O núcleo duro de clientes do João são amigos do proprietário e segundo o próprio, existe quem não vá para casa sem passar pelo seu estabelecimento, nem que seja só pelo convívio:
O ambiente que se vive no “João d’A Maceda” é o de uma tasca tipicamente portuguesa. As paredes estão decoradas com azulejos que enunciam ditados populares, cachecóis de Portugal e quadros que espelham os encontros anuais dos “amigos do garfo”, que como o nome indica, junta os amigos da Maceda para um jantar de convívio. O vernáculo, as brincadeiras e o futebol marcam também o dia-a-dia e o ambiente deste estabelecimento.
O que não pode faltar numa tasca são os petiscos, e aí, João conquista os seus clientes. Por esta altura, o ponteiro do relógio marca o meio-dia, o que significa que está na hora de preparar os petiscos para a tarde. A especialidade são os Rojões, cozinhados à moda do João. Para o dono, o segredo está na preparação, onde a carne antes de ser cozinhada, é demolhada em vinho tinto, o que produz um sabor diferenciado neste típico prato da cozinha portuguesa.
A clientela amiga e o ponto de encontro bairrista
Apesar da amizade com praticamente todos os clientes da sua tasca, João reitera a importância em separar as águas: dentro do seu espaço é o João Gomes, proprietário do estabelecimento. A cada cliente que entra, o “à vontade” e cumplicidade que existe com o dono é facilmente visível, e para João, é isso que faz a sua tasca especial e única, ao contrário de outros estabelecimentos que existem nas redondezas. Durante a nossa conversa, os exemplos da amizade que une João com os seus clientes eram inúmeros. Existem inclusive imigrantes que sempre que voltam a casa, não faltam com a sua visita à Maceda, como é o caso de “Varil”:
A tasca do João funciona essencialmente como um ponto de encontro bairrista. “75% dos clientes são moradores do bairro” afirma João, o que é elucidativo da afluência que existe dos moradores ao tasco. Esta percentagem pode surpreender ainda mais se for tido em conta a localização do estabelecimento, que em relação às habitações camarárias, está descentralizado, situando-se numa fronteira imaginária, como é a Travessa da Maceda, que divide a zona do Cerco do Porto e São Roque da Lameira.
O Bairro do Cerco do Porto é supervisionado pela Câmara Municipal do Porto e é o segundo maior da cidade em número de fogos, sendo o maior no que toca ao número de habitantes, com mais de duas mil pessoas, que estão distribuídos por 34 blocos. A conotação desta zona da cidade é tudo menos positiva, estando ligado ao crime e à violência, mas que por vezes, não reflete a verdadeira realidade do mesmo.
João considera que existe um Cerco antes e depois de Rui Rio. Isto deve-se ao realojamento efetuado pelo então Presidente da Câmara Municipal do Porto quando decidiu avançar para a demolição do Bairro S. João de Deus, colocando a maior parte dos moradores do “Tarrafal” nesta zona, o que para os moradores, foi o ponto de viragem na vida deste bairro social.
Apesar de viver praticamente ao lado do Bairro do Cerco e de ter sido morador durante 23 anos, João praticamente não atravessa as ruas do mesmo. “Já não me diz nada” confidencia, enaltecendo que o que leva as pessoas a conviver entre elas é a amizade e não o Cerco.
Numa sala mais reservada, destinada aos jogos de cartas, saltam à vista variados cachecóis de equipas de futebol (oferecidos por adeptos), onde curiosamente, o único clube português representado é o Futebol Clube do Cerco do Porto. Nesta sala encontram-se alguns dos “Amigos do Garfo”: Amadeu, Pinheiro, Zé Grande, Zé Ruas, Jorge Bigodes, Jorge Irmão, Hernâni, Paulo Bombeiro, Chico Bacalhau e Vítor do 17 - é assim que são conhecidos por lá. Mostraram-se prontos a darem o seu testemunho em estilo de conversa informal, ambiente típico de uma tasca. Um baralho de cartas e o copo de vinho ou cerveja é o suficiente para estarem juntos toda a tarde. Encontram-se todos os dias - os reformados - outros no fim do trabalho ou ao sábado.
A presença de estranhos é rapidamente sentida por todos. Sobre o motivo que os leva a frequentar a Tasca da Maceda são unânimes: “vimos pelo vinho” e “porque o caminho é sempre a descer”, afirmam em tons de brincadeira. Seja pelo vinho ou pela proximidade, não perdoam elogios ao “João da Ribeira” e ao ambiente próximo e familiar característico da tasca: “o João é realmente um cozinheiro, não é estrela Michelin (uma das classificações mais importantes da gastronomia), mas é melhor”.
“A gente dá e exige respeito” é o principal fundamento de quem frequenta o estabelecimento. Entre as discussões sobre quem bebe mais vinho ou frequenta a tasca há mais anos vão fazendo referências aos diversos quadros pendurados nas pequenas paredes, relembrando alguns dos vários passeios que já realizaram e dos amigos que já viram partir para “o quintal do padre” – o cemitério – que hoje teriam cerca de 90 anos. Relembram, em especial, referenciando uma pequena caneca exposta em cima do armário, o Sr. João Linhas: conhecido por ser “o que fazia os fatos para o Pinto da Costa”.
A chegada da rifeira – uma mulher que vai à Tasca vender rifas – marca a diferença pela qual é caracterizada a Tasca da Maceda: a falta de mulheres. Normalizados com a situação, “aqui é mais homens”, justificam essa ausência pelo facto de ser “uma sala de convívio”.
À entrada, em cima da mesa, o jornal do dia estava praticamente intocável. A preocupação é acabar o jogo e lanchar. A proximidade que os define permite-lhes não dar importância às notícias do papel, em conversas vão trocando opiniões sobre os acontecimentos do país e do mundo, e afirmam “não precisamos de jornais, aqui sabe-se tudo”.
Agitados para recomeçar um novo jogo, seja “rami ou rummy” ou “garujo”, vão tecendo elogios, com o sotaque característico, ao Bairro que os viu nascer e crescer e à Tasca que os acolhe: “o Bairro do Cerco é o melhor Bairro da cidade do Porto, está dito”, deixando o apelo a todos “para quem gosta de café aqui é o melhor”.
A herança familiar
Para João, a sucessão natural para o estabelecimento é o seu filho Mário, de 24 anos. Presença assídua no auxilio ao pai desde a abertura do estabelecimento, para o João, o melhor cenário seria que o Mário tomasse conta do negócio de família. Contudo, considera que o filho não tem o perfil indicado para assumir a adega, pois esta tem características muito próprias devido ao contexto em que se insere [de estar localizado ao lado do Cerco] e era necessário uma pessoa muito paciente, capaz e rigorosa para dar seguimento à tasca.
João considera que ter um estabelecimento não é fácil. A tasca “abre às 09h e fecha às 19h” e não há muito tempo disponíveis para folgas. Apesar do desejo assumido em passar o negócio para o filho, por ser a “sequência lógica”, João não vê o Mário com capacidade para essa função. Talvez no futuro haja mudanças, mas para já, o dono sente-se capaz de continuar a desempenhar as funções necessários e ainda não pensa em “passar a batuta” para outra pessoa.
É hora de deixar o João trabalhar. De voltar a casa e organizar as ideias. É a hora. A hora de perceber que, afinal, o Cerco não é como o espelham. O Bairro são as pessoas e os lugares. É isso que carrega consigo a tasca João da Maceda. São os amigos e o convívio. São as tardes passadas na confraternização. Um lugar onde as diferenças não têm espaço e pode ser-se quem quiser. Um lugar onde a falta de tempo não serve de desculpa para não se visitar. Com a cidade à sua volta cada vez mais metropolitana, na Maceda tem a garantia: sempre que a visitar vai encontrar barulho, festa, animação e amigos, bons amigos.

A voz da terceira idade
Como se vive no Bairro do Cerco aos olhos de quem amadurece nele?
Num bairro carregado de estereótipos que remetem a imagens de violência, crime e drogas, queríamos saber como pensam os que lá vivem. Na busca por histórias e experiências pessoais abordamos aqueles que mais anos têm e provavelmente mais para contar- os idosos.
Quatro Dias em Campo: dois de ambientação, e outros dois de recolha. Pouco movimento de todas as vezes, exceto na zona da paragem “Peso da Régua” onde se apanha o autocarro 400 e 401. O silêncio constante quebrava-se com os berros das crianças que brincavam na rua.
Os testemunhos não são constantes, há quem fale abertamente, e há quem se guarde, respostas pouco aprofundadas, “está tudo bem, gosto de aqui viver”.
Os depoimentos de rua resumem-se somente a áudio, sentiam-se mais confortáveis e podíamos explorar melhor o que tinham para dizer. A própria presença das câmaras e do tripé intimidava e deixava-os desconfiados, por isso mesmo optamos por deixar de parte esse elemento e concentrar tudo na voz.
Uma visão do exterior
O contacto com as pessoas no exterior foi exigente, sente-se o medo das câmaras, da televisão, não querem expor a imagem e alguns recusam-se a falar, talvez pelo receio de punição. Pedimos somente uma foto, Júlia e Joaquim aceitaram.
Uma visão do Centro Paroquial
O enfoque eram os idosos, experiências mais antigas e que permitissem uma comparação temporal. A Proteção de Dados impediu-nos de fazer aquele que era o nosso projeto inicial, uma relação entre os dois centros no bairro: O Centro Social do Cerco e o Centro Paroquial da Senhora do Calvário. Por isso mesmo, optamos por abordar apenas o Centro Social e Paroquial acrescentando perspetivas do exterior.
Dos 50 idosos apenas cinco vivem no Cerco. Tentamos perceber o motivo da disparidade. A assistente social Susana Neves respondeu que para além de muitos se encontrarem noutros Centros na zona de Campanhã, alguns foram viver com a família pela falta de independência e outros saíram após a chegada de novas etnias.
O Centro Social e Paroquial, fundado por iniciativa da fábrica da Igreja da Paróquia da Senhora do Calvário surgiu no ano de 1982 e tem, atualmente, valência de Centro de Dia e de Apoio Domiciliário. Localiza-se na Travessa do Ilhéu em Campanhã, na Avenida que o une à Escola Básica e Secundária do Cerco.
A primeira ida ao Centro deu-se em Dezembro, no dia 5. Contactamos com a assistente e demos a entender a nossa intenção, à qual se mostrou disposta a ajudar. No entanto, com a chegada das férias de Natal e com a ausência desta, foi Ana Lúcia Sousa, auxiliar, quem nos acompanhou no processo de familiarização com o local.
Dia 3 de Janeiro, 10H00, hora de ponta: Deslocamos-nos até ao local através de transportes diferentes, uma de carro e outra de camioneta. De lados opostos, o trânsito entupia as vias para o ponto de encontro: a escola. Era o primeiro dia de aulas, na rua as crianças saíam e entravam, de mochila às costas, um vai e vem constante. O dia era de sol, um sol de inverno, o termómetro do carro marcava 8 graus. Atravessamos a rua em direção ao Centro Social e Paroquial da Senhora do Calvário. Entramos pelas traseiras, a porta principal que desconhecíamos quase nunca é usada, fica numa rua pouco movimentada.
A auxiliar Ana Lúcia conduziu-nos a uma sala. “Esta é a sala da tarde, é aqui que todos os dias, depois do almoço, os utentes mais religiosos se juntam para rezar o terço.” Sala fria, marcada por tons neutros, tijoleira branca. Um conjunto de cadeiras com mantas dobradas rodeavam um altar com a Nossa Senhora de Fátima, preenchido com flores de papel feitas manualmente, terços e velas. Do lado esquerdo, de frente para a porta, uma estante de vidro expunha as medalhas ganhas em iniciativas de idosos. Foram vários os que as mostraram com orgulho ao longo das conversas. Ficamos sozinhas por uns instantes e montamos o material de frente para a cadeira onde pedimos que se fossem sentando.
10H40 Domingues Sancho René: Chega acompanhado por Ana Lúcia. Nasceu em Cabo Verde e é casado, a sua esposa ainda trabalha. Trazia um sorriso acolhedor que logo nos deixou tranquilas. Tentamos colocá-lo à vontade. Depressa expressou a paixão que tem por estar ali, e pelas pessoas que o rodeiam “Este é o melhor centro do Porto”.
Está lá há 6 anos, não foi por velhice, mas porque ficou debilitado e dependente, ainda assim faz questão de vincar: “sei fazer tudo, mas não podia fazer nada”. Nem sempre viveu no bairro, mudou-se há 10 anos e habita no Bloco 21. Gosta de todos e todos gostam dele, não conhece muita gente, mas mantém contacto próximo com a vizinha, Conceição Peixoto, que também se juntou ao Centro.
Não vê o Cerco como perigoso, mas se pudesse viveria noutro lugar, a única coisa que aponta é a falta de condições da sua casa, nomeadamente a humidade e o frio que o tornam mais suscetível a contrair doenças.
11h10 Conceição Peixoto: Seguiu-se a mais “famosa” utente do Centro. Entrou há um ano e apaixonou-se por um colega que lá conheceu: Saúl. O romance começou com uma atividade que realizarem em comum-um teatro de marionetas. “Ele começou a encarar bem comigo e eu com ele, ele começou a brincar comigo e eu gostei das brincadeiras dele.” Os dois partilharam a sua história na TVI e na SIC e prometem um casamento fictício no futuro.
Os dois viúvos, ela com 72 e ele com 77, mantêm uma relação no Centro, apesar de não partilharem casa. Conta as mágoas que sente de uma relação de 48 anos com o ex-marido, do qual sofria violência doméstica.
A viver no bloco 21, Conceição foi impulsionada pelos seus vizinhos, René e a sua esposa, a ir para o Centro. Foram estes que, quando se tornou viúva, lhe deram apoio diário. Essa é também a principal vantagem enfatizada por esta, a possibilidade de se apoiarem uns aos outros.
11h30 Orquídea Rosa: A aula de ginástica que decorre todas as manhãs, onde os utentes se juntam para praticar exercício, teve início e por isso o som ambiente alterou-se.
Entrou com o apoio da auxiliar. Já não tem tanta mobilidade como gostaria e por esse mesmo motivo não se imaginava a estar ali tão cedo. Tem 80 anos e moveu-se para o Bairro há 25 arrastada pelo seu segundo casamento.
Durante toda a entrevista fez questão de realçar a autoestima e este facto leva-a, também, a referir a atual situação no bairro que a incomoda. “Lixo por todo lado, papéis por todo lado. Dói vir à janela”.
Os estereótipos criados em relação ao Cerco fizeram com que, no início, se inibisse de partilhar a sua morada, com o tempo apercebeu-se que essa não era a realidade, que existia muito mais para além do que se dizia e que por isso, não tinha necessidade de o fazer.
Apesar da dificuldade em adaptar-se, gostava de lá morar e sentia-se bem, mas aponta a chegada da etnia cigana como a alteração da sua perspetiva. Segundo Orquídea Rosa, a falta de responsabilidades desta comunidade e de asseio leva a uma degradação do Cerco. “Só têm direitos e não têm deveres.” Tal como Júlia gostaria, se tivesse possibilidades, de viver noutro local, a carência financeira não o permite. Só se sente bem, afirma “quando entra da porta para dentro”.
12h00 Miquelina da Conceição Garcia: Entrou a medo, não estava tão confortável como os outros e foi-se soltando ao longo da entrevista. É a mais recente entrada no Centro. Chegou há quatro meses e veio porque se sentia só e afundada na solidão. Foram as vizinhas que a incentivaram a inscrever-se.
Vive com uma das duas filhas, mas esta trabalha todo o dia, a outra vive no bloco em frente. Gosta de lá viver e diz que é muito comunicativa e por isso “querida por toda a gente”. Frisa essencialmente a vivência em comunidade onde uns se apoiam aos outros e onde Miquelina fez muitas vezes de parteira, assistindo ao nascimento de 8 crianças, e recolheu fundos para pagar funerais de vizinhos.No entanto, quando se trata de membros da comunidade cigana, Miquelina prefere manter alguma distância.
12H30 Francisco Hilário Gonçalves: Já se aproximava da hora de almoço e por isso o cheiro a comida entrava pela sala. As mesas estavam a ser postas e ouvia-se, por vezes, os pratos baterem.
Francisco entrou acompanhado por Ana Lúcia, vive no Cerco há 60 anos e está no Centro há um. A idade já não lhe permite passear e por isso o seu tempo é essencialmente passado ali e em casa. Não tem familiares e sente-se muitas vezes só.
Em relação ao bairro não se demonstra incomodado, também porque não mantém contacto com quase ninguém. Referiu que a droga e o mau ambiente são uma realidade e partilhou uma situação na qual foi enganado por uma senhora que dizia querer ser a sua companhia.
Todos estavam familiarizados com as câmaras, alguns já participaram inclusive em programas de Tv, e por isso em alguma altura se sentiram desconfortáveis. Não tinham medo que fosse para expor em algum canal, falavam até como se o fosse acontecer, apelavam aos seus desejos de mudança.
Orquestra Juvenil da Bonjóia: Como é que a música muda vidas?
Foi precisamente numa aula de Géneros Jornalísticos, assim que foi proposto o Bairro do Cerco como local de reportagem, que a Orquestra Juvenil da Bonjóia surge através de pesquisa. A partir daqui, recolhemos toda a informação online possível e concordamos que este seria o nosso ponto de partida. Juntas planeamos com quem deveríamos manter contacto, como poderíamos partilhar este projeto e o papel que desempenha na vida das crianças. E assim começou a aventura...
Como surge o projeto?
Música para Todos surge com o objetivo de possibilitar o acesso à música a crianças de contextos sociais diferentes, sendo que a Orquestra Juvenil da Bonjóia foi o projeto que melhor cumpriu esse propósito.
Este projeto resulta da parceria da Câmara Municipal do Porto e do Curso de Música Silva Monteiro. A ideia principal surgiu através de Álvaro Teixeira Lopes, professor e pianista.
Guilhermina Rego, vereadora do Pelouro da Educação e Cultura permitiu que este projeto se desenvolvesse, promovendo-o à Fundação Porto Social, que se inseria na Câmara Municipal do Porto.
O projeto surge através da criação de aulas de ensino especializado de música, de modo a facilitar a integração na comunidade e o reforço da inclusão social, com maior suporte na atividade musical. Esta iniciativa aposta na formação cívica e no crescimento pessoal dos alunos, inclusive crianças com poucos recursos financeiros.
Música para Todos teve início em 2010 e foi a partir deste projeto que as escolas ganharam uma nova dinâmica, o que permitiu aos alunos uma relação mais próxima para com a escola. Os Agrupamentos do Cerco e Viso são as escolas aliadas ao projeto e que pretendem desmistificar a imagem negativa que se associa a estas comunidades.
A Câmara Municipal do Porto atribui bolsas de estudo aos alunos que se destacam para que possam suportar a continuação dos seus estudos musicais.
Em que consiste a Orquestra Juvenil da Bonjóia?
A Orquestra Juvenil da Bonjóia dispõe de cerca de 100 instrumentos, nomeadamente violinos, violoncelos, violas, contrabaixos, saxofones, flautas transversais, trompetes e guitarras. A faixa etária das crianças que integram a orquestra varia entre os 7 e os 16 anos.
A primeira apresentação surge no Teatro Municipal Rivoli com a presença dos responsáveis, Curso de Música Silva Monteiro, Câmara Municipal do Porto, Ministério da Educação, BPI e BIAL – empresas financiadoras da compra de instrumentos, e os respetivos agrupamentos, Viso, Cerco, Clara de Resende, Fontes Pereira de Melo, Colégio do Rosário, Escola Francesa e Colégio Alemão.
O propósito da Orquestra, como prática orquestral, é permitir que a música seja um meio de integração e que os momentos de reunião e ensaios proporcionem aos alunos o sentimento de inclusão, independentemente das realidades sociais.
Na perspetiva dos representantes da Orquestra Juvenil da Bonjóia, “a música é uma forma de expressão que desenvolve humana e culturalmente o indivíduo dotando-o de uma linguagem universal que o vai aproximar do outro, tornando-o mais feliz e melhor cidadão.” Para que os seus objetivos sejam alcançados e desenvolvidos, a orquestra está recetiva a iniciativas e apoios.
O aluno que participe no projeto recebe um instrumento e a formação necessária para tocar na Orquestra Juvenil da Bonjóia.
28 de Dezembro, pelas 10horas, no Bairro do Cerco, situado entre as ruas de Vila Nova de Foz Côa, do Peso da Régua e a Estrada da Circunvalação, na freguesia de Campanhã. Estamos pela primeira vez no Bairro. A escola está vazia. Não há alunos, o silêncio é notório. Agendamos entrevista por volta das 10h, mas até então o diretor ainda não chegou. Neste período conversamos sobre eventuais perguntas que podíamos fazer ao diretor. Entretanto são 10h40, o professor chegou e recebeu-nos com a sua boa disposição. Seguimos para o gabinete onde Manuel António Sousa Oliveira respondeu abertamente às nossas questões sobre o projeto Música para Todos e a influência deste para as crianças do Bairro do Cerco.
Assim como nos refere o diretor, o ensino articulado começou por incluir apenas alunos do 5º e 6º ano, mas com o desenvolvimento do projeto Música para Todos surgiu a possibilidade de ensino até ao 9º ano de escolaridade.
A iniciativa, abraçada pelo Curso de Música Silva Monteiro e pela Câmara Municipal do Porto, rapidamente, teve o apoio de toda a comunidade. Para além dos alunos, também encarregados de educação e professores apoiaram este projeto. O maestro Eliseu Silva desempenhou um papel fundamental nesta causa, sendo um dos maiores suportes.
O diretor da Escola do Cerco revela que a prática musical tem vindo a demonstrar-se essencial para um melhor aproveitamento escolar e, por esse motivo, os ensaios têm vindo a ser inseridos no horário de cada aluno, uma vez por semana.
Normalmente, as manhãs de quarta feira funcionam como uma reunião de preparação, por parte de todos os alunos que frequentam o ensino articulado e a Orquestra Juvenil da Bonjóia.
Os principais eventos da Orquestra consistem na entrega dos prémios, no concerto para a paz, no concerto do Dia da Mãe e no encerramento das atividades no final do ano letivo. Conta com a presença das organizações que patrocinam a Orquestra e com o “padrinho” - um músico de renome que abraça, anualmente, o projeto. Habitualmente, este último evento compreende cerca de 700 espectadores, sendo que, no ano anterior, Rui Reininho foi quem participou neste concerto.
O diretor da Escola Básica e Secundária do Cerco confessa que este projeto tem vindo a ser a “menina dos seus olhos”. Pelo facto de se ter entregue extraordinariamente a esta causa e por tê-la abraçado em prol de um bem comum a toda a comunidade. O objetivo seria combater a exclusão e os preconceitos, bem como, permitir o acesso à música a alunos que, de outra forma, não teriam essa oportunidade. O projeto Música para Todos referência na Escola do Cerco compreende um excelente exemplo de empenho e bom trabalho, sendo considerado pela maioria “uma boa marca”.
Em entrevista a Manuel Oliveira, este salienta que para se abraçar um projeto desta natureza, tem de se marcar pela diferença – “caso contrário não vale a pena.”
A comunidade do bairro do Cerco não dava a relevância necessária à educação e às práticas exercidas no âmbito escolar. Este projeto surge para que haja uma pressão na comunidade, como um incentivo aos alunos e encarregados de educação. O principal objetivo do diretor da Escola, num futuro próximo, seria criar a oportunidade de existir mais do que uma turma de articulado e ainda evitar outros constrangimentos.
Manuel Oliveira termina a entrevista referindo que todos os intervenientes do projeto, como a Câmara Municipal do Porto, o agrupamento, o Curso de Música Silva Monteiro e os respetivos alunos desempenharam um papel fundamental para o sucesso desta iniciativa e que o objetivo primordial é dar-lhe continuidade, uma vez que favoreceu e enriqueceu toda a comunidade.
É dia 4 de Janeiro e são 14h30. Hoje, o destino é diferente. O Curso de Música Silva Monteiro situa-se na Rua de Guerra Junqueiro, no distrito do Porto. Foi difícil para nós percebermos que tínhamos chegado ao local. O edifício não apresentava a estrutura de uma escola de música, mas de uma casa comum. Tocamos à campainha e ninguém nos recebeu ao portão. Será que estamos no sítio certo? Assim que entramos, encontramos Álvaro Teixeira Lopes com quem agendamos uma entrevista. Dentro do escritório, encontramos um piano e fotografias das fundadoras do curso que, no passado, viveram naquela casa. O diretor pedagógico aproveitou o nosso entusiasmo para nos explicar que o Curso de Música Silva Monteiro sempre manteve este registo. Foi no seu escritório que se disponibilizou a responder a questões sobre a Orquestra Juvenil da Bonjóia e o papel do Curso de Música neste projeto.
Álvaro Lopes revela que o Curso de Música Silva Monteiro, “é responsável pela formação cívica - são os nossos professores que dão as aulas aos alunos que estão em regime articulado [na escola básica e secundária do Cerco] e que depois integram a Orquestra Juvenil da Bonjóia e o programa Música para Todos. São os nossos professores que vão dar aulas ao Cerco nas tais aulas que são dispensadas do ensino regular e que são as disciplinas de música.”
A Orquestra Juvenil da Bonjóia é constituída por 109 alunos, sendo que 89 dos alunos que a integram são estudantes do agrupamento de Escolas do Cerco. Esta que foi também impulsionadora da criação de outros grupos musicais que pretendem fazer desta atividade profissão.
O quarteto de cordas Sfourzzarco Ensemble fundado em outubro de 2016 é constituído por Rodrigo Pinto de 15 anos (violino I), Francisca Gama de 15 anos (violino II), Djonathan Silva de 16 anos (viola) e Marco Pereira de 17 anos (violoncelo). Estudantes do ensino básico e secundário do Agrupamento de escolas do Viso e Cerco, estudam também música como atividade extracurricular no Curso de Música Silva Monteiro. Um grupo em ascensão que já teve a oportunidade de participar em múltiplos concertos, sendo que o evento que mais se destaca foi o 4º Festival Internacional de Música em Hong-Kong.
Em 2017, o professor e maestro Eliseu Silva, enquanto júri da competição desde a sua primeira edição, convidou os Sfourzzarco Ensemble a integrar o festival que decorreu de 20 a 26 de agosto de 2017 em Hong-Kong.
Álvaro Lopes, diretor pedagógico do Curso de Música Silva Monteiro, revelou a importância da participação do grupo no evento a nível musical. O quarteto de cordas para conseguir ter esta oportunidade, procurou métodos de financiamento que cobrissem os custos elevados das viagens, alojamento, transporte dos instrumentos, obtenção de passaportes e vistos.
Iniciaram a angariação de fundos com várias atuações de rua e acabaram por criar uma plataforma online onde o público poderia doar o montante que pretendesse, sendo que o objetivo era alcançar os 1.800€.
9 de Janeiro, pelas 10h15, de volta ao Bairro do Cerco. Ouve-se o sussurrar dos alunos que hoje estranham a nossa presença. O Maestro, Eliseu Silva, veio ter connosco e deu-nos a conhecer Djonathan Silva, um dos elementos do quarteto Sfourzzarco Ensemble. De seguida, marcamos presença no ensaio da Orquestra que integra os alunos de 5º, 6º e 7º anos de escolaridade que decorreu no anfiteatro da escola. Por incrível que pareça, nem todos os alunos se sentiram confortáveis com as filmagens.
Militares do Bairro
“Quero transmitir o que vivi”
Estas são as histórias de três homens que viveram a maior parte da sua juventude no Bairro do Cerco, na cidade do Porto. Quando se depararam com a idade adulta, e perante o seu percurso, tiveram de tomar decisões. Preencheram a candidatura para o exército aos 18 anos, com a mesma vontade de caminhar sobre o desconhecido. Até então, já tinham lidado com injustiças sociais sobre si. Na vida militar não foi diferente.
Cresceram no mesmo bairro e percorriam caminhos diferentes. Márcio Durão viveu oito anos no Bairro do Cerco e em criança era conhecido como o rapaz que andava sempre com a roda da bicicleta no ar. Passou os seus primeiros anos de vida no bairro da Mitra “que em termos de fama era pior do que o Cerco”. Depois, foi viver para um bairro perto da Praça da Corujeira, sempre nos arredores de Campanhã, e recorda-se de ser “assaltado todos os dias na ida para a escola do cerco ao longo do caminho de São Roque”.
Está agora a concluir o ensino secundário, conciliando os estudos com dois trabalhos e a vida familiar. Sempre foi uma pessoa proativa e que não se sente bem em trabalhos parados. Por isso, apesar de aos 17 anos ter abandonado a escola, tirou uma formação de treinador e começou a dirigir a equipa infantil de rugby, parte integrante do projeto pular a cerca, que já terminou “Lá, o branco, o preto e o cigano, que fora do campo eram miúdos se davam mal, com os tempos ficaram amigos.”.
Um ano a seguir, era a altura de concretizar o desejo passado pelo seu pai, que fora comando na altura da tropa obrigatória. Entrou com 18 anos e manteve-se no exército durante sete anos, assim como Milton e André. Dois camaradas que partiram com a mesma morada de residência.
André recorda-se dos canudos que usava como setas para brincar nas ruas do bairro e dos blocos de prédios que serviam como esconderijo no jogo das “escondidas”.
Anos mais tarde, tornou-se esquadrão de conhecimento na cavalaria, uma tropa especial que assume a linha da frente em caso de conflito e que reconhece o inimigo. Sem saber que as estratégias que desde criança treinava pelo bairro lhe seriam mais úteis do que ele imaginara para o futuro. A indecisão entre o desenho e o exército acompanhou-o na adolescência, até que tentou inscrever-se numa escola no Porto. A sua origem tornou-se um problema. “Disseram-me que não ia ser fácil ingressar ali quando disse de onde era. Na altura eu era imaturo e não percebi porquê. E agora vejo que era injusto ser posto de parte por ser de bairro”. Por causa disso, olhou para o exército como uma boa oportunidade de se tornar mais responsável e desenvolver a sua prudência “Agora penso mais antes de agir”.
Milton, emigrado em França há um ano, saiu do exército com o desejo de regressar. Lembra que foi difícil adaptar-se à vida militar, e guarda consigo um episódio que o marcou pela negativa na altura em que esteve na BrigInt (Brigada de Intervenção Rápida). Nos primeiros tempos da estadia na força de intervenção conheceu um cabo adjunto, que nas suas palavras era “duro”. Sabia que Milton provinha do Bairro do Cerco. Ocupava um posto determinante porque “Como ele era o mais antigo da BrigInt, qualquer coisa que houvesse era com ele que falávamos.” Depois de algum tempo passado juntos, o cabo dirigiu-se a Milton e disse: “Isto é uma família, aqui nunca ninguém roubou nada a ninguém. Aqui deixamos os cacifos com a porta aberta. Nas outras companhias isso não acontece, aqui sim”. Milton ainda recorda a situação com nervosismo, como se a estivesse a reviver no momento. Relembra a sua resposta: “Meu adjunto vai-me desculpar, mas você não é mais sério do que eu. Não é por ser do bairro que vou roubar, só pego no que é meu.”
A partir deste momento, passou a antever-se sempre que sentia o perigo próximo “Num dos dias seguintes de manhã (à conversa com o cabo adjunto) antes de fazer a barba fui ao cacifo e vi uma nota no cacifo de um colega meu. Fui chamá-lo e disse-lhe que ele tinha deixado lá a nota, e que alguém podia pegar e pensar que tinha sido eu.”
Sentia a discriminação social por viver num bairro social. Quando tinha de preencher formulários e colocar os seus dados, a sua morada tornava-se um entrave “Lembro-me que sempre que fazia uma inscrição, escrevia Rua Santa Marta de Panaguião, não metia bairro do Cerco do Porto. Por causa da discriminação. Avisavam-me sobre isso. O meu pai, os meus amigos, os mais velhos, os meus irmãos... Diziam: quando fores fazer uma inscrição não ponhas Bairro do Cerco do Porto porque aconteceu comigo, excluíram-me por escrever Bairro do Cerco”.
Ao longo das suas carreiras militares os 3 rapazes de 28 anos passaram por vários quartéis nacionais e conheceram outras tantas pessoas. Identificaram-se com outros jovens que eram de Bairro, e alguns do sul. Milton sempre pensou nos bairros do sul do país como espaços mais violentos do que conhecera. Admirou-se quando um jovem militar, de um Bairro de Lisboa, o questionou: “És do bairro dos mafiosos?”.
Ele acha que os media, pela importância que têm, influenciam muito a opinião das pessoas acerca dos bairros sociais “Há pessoal do bairro que saiu para a televisão, para o futebol e isso não metem. Há pessoal que agora é doutor e muita gente que trabalha na televisão saiu do bairro, só que a imagem do bairro é o que as televisões fazem.”
André recorda com um sorriso as pessoas que conheceu enquanto esteve no quartel militar de Santa Margarida, no sul do Tejo “No exército conheci muito pessoal que vinha da aldeia e ali éramos todos iguais. O que interessa de onde vens? Interessa é quando chega a hora H e tens de reagir.”
O maior campo militar da Europa “uma mini cidade militar” também foi o quartel que acolheu Márcio em julho de 2009. Ele optou pela infantaria e adquiriu a especialidade de atirador. Queria seguir os passos do pai que sempre que regressava a casa “arrumava-me as roupas, cozia o que tinha a cozer, e punha-me a comida.”
No ano seguinte, inscreveu-se para os comandos. Só que havia um problema, Márcio nunca se deu muito bem com o mar e as provas de comandos exigiam uma prova de natação. Foi ter aulas numa piscina perto de casa e cronometrava o tempo que aguentava com a cabeça dentro do lavatório cheio de água em casa. Fez as provas e só se deu conta que o pior já tinha passado quando bateu com a cabeça na parede da piscina, depois de ter nadado o que era proposto. Mal sabia ele que era a água que o ia voltar a pôr a prova. Num dia de curso de comandos apanhou uma gastroenterite por ingerir água imprópria para consumo durante o tempo de descanso dos treinos físicos. Isso forçou-o a deixar o curso. “Passamos muito tempo no meio do mato, com pouca comida a pouca água. Íamos trocando alimentos uns com os outros, mas quando acabava ou não havia outra alternativa bebíamos a água dos riachos, que não era limpa,” O atestado médico que lhe foi passado obrigou-o a repousar durante 8 dias, mas o limite de descanso para os aprendizes a comandos prolongava-se apenas por 2 dias.
E, foi depois disso que o telemóvel tocou. Do outro lado era um comandante a pedir-lhe para ingressar numa missão em Kosovo por 6 meses, uma aventura, que muitos militares sonham viver e ele conta em viva voz o que aconteceu:
André defende a tropa obrigatória porque vê muita irresponsabilidade nos jovens “A tropa é uma forma de educar. Aprendi: Máxima de liberdade máxima de responsabilidade”. Por isso, incentivou o irmão a ingressar no exército português, por achar que estava a “descarrilar e a fazer asneiras com os amigos”.
Márcio lembra-se muito bem das filas que se formavam no bairro para comprar droga, dos colegas que viu a serem presos e outros a acabarem por morrer. Para ele o histórico familiar que se relacionava com o consumo de droga e com o tráfico eram fatores que levavam as pessoas a escolherem o caminho “mais fácil”. Apesar disso, reflete que o Cerco em 2000 não se compara com o Cerco de agora “da minha antiga casa via o Centro Profissional do Porto e as pessoas que saiam dos cursos eram encostadas debaixo dos prédios e eram assaltadas. Antigamente, se entrasses no cerco com umas sapatilhas da nike, ficavas sem elas, e se as meias fossem boas, saias de lá descalço. Isso hoje em dia não acontece.” Os três recordam-se muitas vezes da presença da polícia e do lado bom do bairro, que ainda frequentam.
Inesperadamente, foi dentro do exército que os ex-militares se depararam com falta de segurança. A falta de armamento é alarmante para Márcio, especialmente nas grandes cidades “não existe armamento suficiente para todos os militares”. Sente que não existe segurança suficiente em caso de perigo iminente devido à impreparação dos militares. “Há muitos homens que não desmontam armas. Um militar que não sabe desmontar uma arma? Se a arma encravar o que é que ele faz?” questiona Márcio esbracejando, “deparar-me com isso para mim foi uma desilusão.” Milton recorda-se que treinou intensamente tempos antes de fazer os testes de admissão para a recruta, no dia até fez flexões a mais, mas quando chegou ao quartel de espinho viu militares com peso a mais “existem várias companhias, cozinhas, a parte das caxinas... e o pessoal começa-se a desleixar.”
O problema da falta de rigor nas provas de admissão, é levantado pelos três jovens para justificar o atual estado do exército “As provas de ingresso são cada vez mais fáceis, senão consegues completar, passas na mesma. A disciplina está cada vez pior.”, acrescenta André.
Ao final de 6 anos de contrato e 1 ano de regime voluntário os três jovens foram convidados a sair e para André o sistema não devia funcionar dessa forma “quando as pessoas já fazem aquilo quase a “brincar” é que nos mandam embora. Ao final desses anos vão ter de pôr gente nova, gastar dinheiro em formação e para quê?”. André saiu com a especialidade de atirador, assim como Márcio. Milton como se formou em Engenharia, usou os seus conhecimentos para a vida cá fora e tem trabalhado em construção civil na cidade francesa de Toulouse. “Há pessoas que saem da tropa com a especialidade de atirador e onde é que vão arranjar trabalho?” interroga-me André.
De seguida, revela que o uso do telemóvel tem vindo a ser cada vez mais excessivo, comparativamente ao ano em que ingressou no exército, em que o telemóvel lhe era muitas vezes negado “em 2011 o pessoal já mexia no telemóvel sem avisar... Até tínhamos de avisar se o tínhamos no bolso quando era altura de ir para a água.”.
“Percebi que o exército e a tropa não é aquilo em que estive quando fui colocado em Gaia. Se entrevistasses 200 pessoas ias ter 200 opiniões diferentes. Mas a tropa para mim hoje em dia é a realidade deste quartel em Gaia.” confirma Márcio que passou lá o seu último ano de exército. A sua rotina era de entrar às 9h e sair às 17h, tinha 1 hora de treino físico, direito a tomar banho e a comer e o que mais via era pessoas a jogarem às cartas, “raramente peguei em obus, nome técnico para canhões. Tirei especialidade de artilharia em Gaia, mas enquanto que quando tirei especialidade de atirador em Santa Margarida ia dar tiro 1 vez por semana, lá (em gaia) ia dar tiro uma vez por ano.”
Portugal nunca foi alvo de ataques violentos, mas estes jovens receiam as consequências que podem surgir pela falta de preparação que acham que se vive na vida militar “Sei que não estamos em guerra, mas se houver alguma chatice os militares não estão prontos.”
As injustiças continuam
“Porque o sítio em que eu nasci não define quem eu sou. Tanto tens criminosos no cerco como tens criminosos em Vilamoura.” respondeu Márcio quando lhe perguntei o que era para ele ser um rapaz de bairro.
Apesar dos episódios de discriminação que sofreram quando era a altura de dizerem de onde eram, os três rapazes também viveram algumas injustiças dentro da própria instituição militar.
Milton esteve na companhia de engenharia durante 5 anos, onde era o mais “maçarro”, o mais novo. E sobravam-lhe dois anos de tropa. Tinha a oportunidade de tirar a carta C de automóveis pesados. Naquele momento era uma boa oportunidade, depois de várias tentativas, por ser paga pelo exército. Tinha chegado da Zona Militar dos Açores e ia fazer os testes psicotécnicos, até que um sargento lhe telefonou e lhe perguntou se estava interessado em ingressar em missão “Eu perguntei se não ia à carta, até que ele me respondeu que eu já não podia ir porque o filho de uma civil ia na minha vez porque se dava bem com o Major. A realidade da tropa é totalmente diferente. As pessoas não imaginam como é muito pior. Isso foi o que fez com que eu deixasse de me sentir tão bem na tropa.”
André também tentou tirar a carta de pesados, mas na altura também só existia uma vaga para ser preenchida. No caso dele foi diferente. Ele fez as provas. Mas não ficou com o lugar porque falhou num teste de ligar imagens, teste semelhante aos que se fazem nas terapias de psicologia “eu questionei uma oficial porque não tinha passado e pedi-lhe para me mostrar o teste e ela negou-se a mostrar-me.”
Todos caracterizam esta fase das suas vidas como “muito intensa” e como uma mais valia no seu crescimento. Todos pensaram em desistir da tropa em algum momento, mas nunca o fizeram. Márcio não voltava para o exército, “só se mudasse muito”. Apesar das muitas vezes que refletiu sobre o motivo de estar no exército, das lágrimas que lhe escorriam pela cara quando chegava à caserna depois de um duro dia, para Márcio “o mais difícil foi encarar a tropa como uma nova realidade”.
Futebol Clube do Cerco do Porto
O Futebol Clube do Cerco do Porto era o clube de futebol do Bairro do Cerco. Fundado em 1966 participou maioritariamente em competições amadoras. Em 2011 o clube viu-se forçado a terminar, porém a época 2011/2012 foi jogada até ao seu fim.
Fernando Soares foi presidente do clube durante dez anos e refere que a principal causa para o término do Futebol Clube do Cerco foi a vinda de habitantes de outro bairro para o Cerco.
O clube era um símbolo da cidade devido, também, à importância do Bairro para o Porto e sempre foi uma referência do futebol a nível amador. Eram característicos pelo respeito que impunham e pelo estilo de jogo mais agressivo, existindo, por vezes, situações de violência. Os adversários do Futebol Clube do Cerco do Porto encontravam dificuldades no campo do Cerco para conseguir vencer a partida.
Márcio Figueiredo, antigo adepto do clube e habitante do Bairro, referiu em entrevista, que: “O Cerco era um clube que apesar de ser pequeno e de bairro, conseguiu impor-se no futebol amador e distrital. Ainda conseguimos conquistar alguns títulos, era o nosso clube. É diferente apoiar o teu clube da primeira liga ou o clube do sítio onde tu nasces. É um sentimento diferente.”
Há cerca de 20 anos, quando Fernando Soares era presidente, o clube era dos melhores a nível amador. Fazia frente a bastantes equipas devido à qualidade dos seus jogadores, o orçamento da equipa era grande e não havia dificuldades a pagar os salários aos atletas e membros do clube. A nível de futebol no escalão sénior, ou seja, jogadores com mais de 18 anos, atuavam no Campeonato Amador sem a possibilidade de subir de divisão. No entanto, era na formação que se destacavam e tinham maior sucesso devido aos jovens do bairro que iniciavam a carreira lá e mostravam bastante qualidade. O principal caso é de Paulo Machado, que iniciou a formação no clube do bairro até o Futebol Clube do Porto o contratar ainda jovem. Como este, existiram outros casos em que os jogadores que atuavam no Futebol Clube do Cerco do Porto e que eventualmente o abandonavam para ingressar em equipas de qualidade superior e que ofereciam melhores oportunidades para o futuro.
APPC: incluir a las personas con parálisis cerebral en el día a día
La misión del centro de rehabilitación de la Asociación de Porto de Parálisis Cerebral es potenciar las habilidades de las personas con parálisis cerebral
En pleno Bairro do Cerco se encuentra la APPC – Associação do Porto de Paralisia Cerebral - en la cual se trabaja a diario para mejorar la vida de las personas con parálisis cerebral. Esta condición afecta a la psicomotricidad pero no necesariamente supone una deficiencia mental. En otras palabras, la parálisis cerebral inluye en los movimientos y la coordinación de la persona pero no en su inteligencia.
En las siguientes líneas de este reportaje, se ahonda en el Centro de Rehabilitación, la gente que lo concurre y su principal objetivo, sin dejar de lado anécdotas y vivencias.
1. Primera visita al Bairro do Cerco
Próxima paragem: Estádio do Dragão. Al salir del metro, la catedral del FC Porto descansa imponente. No hay demasiada gente en la calle pese a ser domingo a mediodía. Me dirijo al Bairro do Cerco por primera vez. Solo he escuchado y leído cosas negativas. Las palabras más sonadas: tiroteos, narcotráfico y gitanos. ¿Tan peligroso puede ser? No voy a negar que tengo miedo. Ya estoy en el barrio. Siento cierto recelo de cada persona que pasa por mi lado. ¿Por qué? No he visto nada ni nadie que no pudiese ver paseando por la Ribeira pero el hecho de que sea aquí me hace desconfiar. Los bloques de cemento son los protagonistas del lugar. No hay casi ni un alma: dos señores conversan en una silla frente al portal de su casa mientras un grupo de niños juega a la pelota en el patio que se forma entre los coches y los edificios. Dos postes en la calle improvisan un tendedero de ropa. En la marquesina de la parada de autobuses la imagen de una modelo mira a todo aquel que se atreve a pasar por allí. Ella está tranquila anunciando un perfume de lujo y no parece tener el mismo miedo que tengo yo. Justo detrás otro cartel reza: “Reabilitação dos Bairros Municipais: Por um Porto ainda mais social”. Qué contraste. En la calle tras él veo un conjunto de edificios decorado con murales de estampados geométricos y coloridos que le dan un toque cálido y acogedor a la finca.
Continúo hasta llegar a una valla que encierra unos edificios en ruinas. Diría que están a medio construir pero parece que hace años que nadie pone un ladrillo por allí. En una de las vallas hay un graffiti rojo: Cerco melhor. La pintada, que parece haber sido hecha a toda prisa, hace que resuene en mi cabeza la letra de una canción cuyo nombre no recuerdo: los muros dicen lo que los diarios callan.
Encuentro casi de casualidad la Escola básica e secundária do Cerco. Cojo una reja con cada mano y apoyo la cabeza entre ellas para poder ver el interior del recinto. Es muy moderno y la arquitectura gris y vanguardista me recuerda a mi antiguo instituto. Nadie diría que ese lugar tiene tan mala fama.
No sé donde estoy ni si quiero seguir caminando sin rumbo así que doy media vuelta. Justo cuando acaban los edificios y antes de cruzar el puente de vuelta, veo una especie de… ¿residencia? ¿centro cultural? Me acerco hasta que consigo diferenciar las letras: Associação do Porto da Paralisia Cerebral. Apunto el nombre para investigar sobre el lugar al llegar a casa.
2. ¿Qué es la APPC?
Las siglas APPC corresponden a Associaçao do Porto de Paralisia Cerebral. La institución lleva camino recorrido desde 1960, cuando se estableció en Lisboa pero fue 14 años después cuando se constituyó como tal en la zona norte de Portugal. Los fundadores fueron un grupo de padres y profesionales que se veían desamparados ante la necesidad de servicios para sus hijos con parálisis cerebral. A día de hoy, la APPC cuenta con centros en Porto, Maia y Gondomar.
El Centro de Rehabilitación, ubicado en la calle Alameda de Cartes – en pleno barrio del Cerco – se centra especialmente en atender a niños y jóvenes con parálisis cerebral. Muchos de los niños cuyos padres se movilizaron para la fundación de la organización, siguen siendo clientes hoy, de manera que han ido creciendo juntos.
Una de las características que distingue la APPC de otras asociaciones similares a lo largo del país, es que en esta, defienden que las personas con parálisis cerebral deben participar en la vida pública. Tomar parte de la organización de la asociación es un ejemplo, de ahí que tanto el presidente como el vicepresidente de esta – Abílio Cunha y Fábio Guedes, respectivamente – sean personas que viven en primera persona la parálisis cerebral.
Abílio Cunha es el presidente de la APPC. También es una persona con parálisis cerebral. No es un doente pues no está enfermo sino que vive con una condición que le hace tener que llevar una vida distinta a la de la mayoría de la gente. Sin utilizar términos científicos y con un ejemplo práctico, Abílio define qué es la parálisis cerebral y cómo afecta a cada persona, pues “no hay ningún caso igual de parálisis cerebral, son todos diferentes.”
En la página web de la APPC se define la parálisis cerebral como una perturbación que afecta los movimientos del cuerpo y la coordinación motora, causada por una lesión de una o más zonas del cerebro que interfiere en la transmisión de la información que controla y organiza el movimiento y la postura.
Fábio Guedes, vicepresidente de la APPC, encargado del Departamento de Comunicación y también persona con parálisis cerebral, explica que su principal misión es ayudar a que los clientes tomen decisiones propias y sean lo más autónomos posible. Es importante, añade, la utilización de la palabra cliente en lugar de otras como usuario, ya que el cliente tiene derechos y puede exigirlos.
A lo largo de todas las conversaciones en el centro, la palabra más repetida ha sido inclusión. La inclusión implica que no se deben adecuar espacios solo para gente con parálisis cerebral, sino que estos espacios utilizados por todos los ciudadanos deben estar adaptados también para la gente con esta condición. Solo con esta inclusión, los ciudadanos de a pie comenzarán a percibir la realidad de la parálisis cerebral y eliminarán de su forma de pensar los estigmas y prejuicios. Un pensamiento común, fruto en sendas ocasiones de la ignorancia y el desconocimiento, es infravalorar a las personas con parálisis cerebral creyendo que una característica vinculada a esta es la deficiencia mental. Fábio Guedes hace hincapié en que las personas con parálisis cerebral no son coitadinhos –pobrecitos– sino que se trata de gente totalmente capaz de tomar sus propias decisiones y vivir su vida. La única diferencia es que, para hacerlo, tienen necesidades distintas a las de la mayoría de la población.
Ana Filipa Santos y Mariana Carvalho – terapeutas del habla del centro – ponen un ejemplo práctico de normalización. En un supermercado cercano, cuando los clientes con parálisis cerebral acudían al establecimiento para realizar compras, los trabajadores de la tienda se sorprendían, llegando incluso a llamar al centro para avisar de que uno de sus clientes estaba allí. Efectivamente se encontraba allí, haciendo la compra como cualquier otro ciudadano, pero no fue visto como algo cotidiano para los trabajadores y vecinos hasta que no se dio a ver. Hoy en día, ese mismo supermercado se ha adaptado para que sea más accesible para las sillas de ruedas. Es un ejemplo palpable de lo que implica la inclusión, la normalización y el camino que debe seguirse.
La APPC cuenta con voluntarios que ayudan a que el centro funcione. En la actualidad rondan entre los 30 y 50 dependiendo de la época y las necesidades. Cada voluntario se ofrece, dependiendo de su disponibilidad, a desempeñar las tareas que se necesiten, de manera totalmente altruista y desinteresada. Marco Alves, responsable de la organización del voluntariado del centro de rehabilitación recalca que el voluntario complementa el trabajo de los funcionarios sin sustituir.
3. Instalaciones del centro
El centro de rehabilitación cuenta con distintos espacios adaptados para sus clientes en los que pueden llevar a cabo todo tipo de actividades sin que su condición sea un obstáculo. El reciento tiene sala de ordenadores, gimnasio para adultos y para niños, sala de pintura y un comedor donde no se hacen distinciones y los funcionarios, clientes y visitantes comen todos juntos. La sala que más llama la atención es la de relajación y estimulación sensorial. En esta la luz es tenue y no hay ruido pero sí cojines, sofás y zonas de descanso así como objetos de diferentes texturas y colores para estimular los sentidos. Cuando el tiempo acompaña, los clientes también pueden salir fuera y disfrutar de las zonas al aire libre.
Los pasillos están decorados con frases inspiradoras como: “Tudo é possível” o “seja o arco-iris na nuvem de alguém” y con obras de arte o autorretratos realizados por los clientes. Para acceder a los diferentes instalaciones, hay escaleras y rampas, de manera que nadie tenga que quedarse atrás. Además, es habitual ver sillas de ruedas, estanterías con juegos, libros y mesas para niños.
4. ¿Por qué en este barrio?
La razón que da Abílio es sencilla: casualidad. En el momento de construcción del centro, la parcela de terreno donde ahora está era la idónea. Aun así todos coinciden en que pesa un estigma sobre el barrio que ellos nunca han experimentado. Ni Mariana ni Ana Filipa han sentido miedo estando allí pero añaden que han sido avisadas en sendas ocasiones del supuesto peligro que conlleva entrar en el Cerco. El motivo de que la gente tenga tantos prejuicios es que no se trata de una zona de paso ni es frecuentada habitualmente, de modo que la sociedad no conoce la realidad del vecindario y contribuye a la creación de prejuicios.
5. Planes de futuro
El principal proyecto de futuro que tiene la APPC es la creación de una residencia universitaria en Porto. El objetivo es poder acercar los programas Erasmus a los estudiantes con parálisis cerebral así como facilitar que los jóvenes de distintas zonas de Portugal, tengan la posibilidad de estudiar en Porto. Fábio Guedes explica que normalmente es complicado para una persona con parálisis cerebral irse a estudiar al extranjero pues su autonomía está en muchas ocasiones comprometida y no es posible para ellos mudarse al extranjero sin que algún familiar lo haga con ellos. Pero esto cambiaría con esta residencia, en la que las habitaciones, baños y diferentes zonas estarían adaptadas a todo tipo de personas. De nuevo, para favorecer la inclusión y no para crear lo que Fábio denomina guetos, la residencia estaría abierta a todo tipo de estudiantes. El proyecto es ambicioso y por ahora la idea es que cuente con 30 camas para acoger tanto a universitarios nacionales como internacionales.
6. Conclusiones personales
Salgo del centro con una forma de pensar totalmente distinta de la que entré. El ambiente que se respira en el centro es diferente al del barrio. Es casi como un oasis entre el cemento. Fuera, apenas hay gente y no se escucha más que el ruido de los coches, el viento y -en el caso de Porto- ocasionalmente la lluvia. Pero dentro hay otro aire: conversaciones de aquí para allá, gente de arriba a abajo, llamadas de teléfono en recepción, mucho barullo en el comedor y las risas de fondo, son los elementos que constituyen la banda sonora del centro de rehabilitación de la APPC.
La respuesta de las distintas personas del centro a las que les he hecho esta pregunta ha sido la misma:-¿te gusta trabajar aquí? -Adoro trabajar aquí. Todos han respondido al instante y sin pensarlo, con decisión y certeza.
El mantra repetido una y otra vez es que es trabajo de todos y todas conseguir normalizar la parálisis cerebral. Los estigmas y prejuicios nacen la mayoría de las veces por el desconocimiento. Los seres humanos tendemos a rechazar aquello que es diferente o no conocemos. Hay un camino ya hecho, pero aun queda mucho por recorrer. Visibilizando esta condición, eventualmente llegará a constituirse en un elemento más de la sociedad que favorezca la diversidad.
Cercados: Os Jovens do Bairro
Será diferente a educação, na parte oriental e ocidental, da cidade?
Dezembro de 2018
Primeira caminhada pelo bairro. As folhas a perder o verde da vida e a chamarem o Inverno. As ruas silenciosas. As escolas cheias de crianças. Do outro lado do portão, algumas mães observadoras. Saltam de tópico em tópico de conversa e, por vezes, interrompem-se. Vêem filhos e filhas a correr, saltar e criar o seu caminho.
Os passeios que apresentam o barro. De bloco em bloco, a sensação de uma construção industrial. Todos os lotes são quase que iguais. O que os distingue: a cor da arte citadina, nas paredes. Não se vêem pessoas nas varandas, nas janelas, na rua. O almoço não tarda e começo a perceber o ritmo do bairro. As manhãs são adormecida, silenciosas. A chegar ao campo da bola – onde, naquele momento, treinava o Futebol Clube de Salgueiros vêem-se jovens adultos.
Uma rajada de vento transporta os incentivos verbais do treinador: “Vai, vem, esquerda, esquerda, agora”. Parecem-se prolongar eternamente. Estas palavras chegam como que numa névoa à calçado do café do bairro. À porta três homens que se cruzam com outros, lê-se o jornal e fala-se do campeonato português de futebol. Há árvores ao redor. Carros nas bermas da estrada. Roupas estendidas nas fachadas dos edifícios. O Bairro do Cerco do Porto, situado na Freguesia de Campanhã, foi construído em 1963 e ampliado em 1991. É constituído por 892 fogos, distribuídos por 34 blocos. Segundo a assistente social da freguesia de Campanhã “atualmente, residem neste Bairro cerca de 2.087 pessoas”.
No entanto era, até então, um local pouco movimentado. Talvez o tempo chuvoso e pouco convidativo a passeios, talvez as ocupações e os empregos das pessoas, talvez a pouca sociabilidade entre os residentes. O treino ainda marcha. Gritos esvoaçam nas correntes de ar. O treinador quer mais. Os jogadores enfrentam um começo da manhã, chuvoso. Por ser desporto, aquele que mexe com as emoções, alguns dos clientes do café, estão cá fora. Encostados às paredes, acompanhados de um café e um silencioso cigarro. O corpo ligeiramente inclinado. O suficiente para ver treino. Até que por entre uma nuvem de fumo, surge um homem. Diz ele, que é uma alegria para ele ver a bola. “Se o tempo, voltasse, tentava ser jogador. Mas os pais precisavam de ajuda, não é?”, enquanto se esconde por outra nuvem de fumo e termina, “um bom dia”.
No caminho que dava às piscinas municipais, encontrei – por entre a vegetação- um lar. Alguém que se cobria por entre vestes pretas, um olhar pesado e uns braços que exclamavam más decisões. Guardava o pouco que tinha – um colção húmido, um pequeno fogão a gás e outros itens que permitiam a sua sobrevivência numa vegetação; Estava prestes a acender – com uns 4 paus - uma fogueira. Mais à frente, uma caravana branca. Vejo um corpo, com um movimento decadente e um ritmo mórbido a lá entrar. Aproximo-me e quando começo a querer saber mais, sou interrompida com uma “ uma declaração oficial para os jornalistas” e passo a citar: “Somos uma organização que permite àqueles que precisam, uma assistência na mediação e redução dos riscos, no consumo. Mais informações, por favor, contactar os superiores e carregar consigo autorização.” Sabia que a conversa havida secado o seu propósito.
Na mente, haviam já centenas de perguntas para serem respondidas. Na mala, o mínimo possível. Um pequeno livro de notas e um gravador. Deambulava sozinha e não era alvo das atenções.
Entro na rua que me leva ao centro de formações do bairro. Minada de informação noticiosas, espelhada por palavras duras e bruscas usadas para descrever o bairro. E as suas pessoas. Enquanto desenvolvia a pesquisa encontrei páginas sobre-lotadas de palavras como: crime, homicídios, droga, desigualdade, roubos.
Era disto que os jornais falavam. Será que o bairro é só isto?
Dezembro de 2018
11h15. Sentido: Porto Campanhã. São 11h30 quando chego ao destino pretendido. Daqui, segui de metro para o Estádio do Dragão. Lembro-me ser este o percurso. Próxima paragem: Bairro do Cerco. Segui o caminho, ensinado por um dos colegas de turma e já decorado, quase que como num mapa mental. A passo, encontro várias mercearias, comércio de rua, mecânicos e uma sede da polícia de segurança pública. Pelo caminho, cada estabelecimento tem o rádio ligado. Noto uma preferência pelas rádios mais populares. No mecânico, passo aquando de um pedido de música. Um voz rouca e cansada, falava no Marco Paulo. Termina com umas saudações à família. Por mim passam no caminho, dois autocarros. 801 e 205. Noto em mim alguma inquietação. Como se de algo me estivesse a esquecer. Talvez as pilhas do gravador que são sempre traiçoeiras, talvez me falte uma caneta para backup. Muito provavelmente, a ansiedade da escolha de um tópico. Certamente, da minha vontade de ouvir histórias.
“O que une e o que separa estas pessoas? Como será a imagem do bairro, para aqueles que lá vivem? Quem lá vive, quererá sair? Haverão sonhos em construção, por lá? O que acharam dos jornalistas? Viverão angustiados pelo tratamento noticioso?”. Lembro-me que nestes últimos dias estas questões interrompem o meu pensamento. Quando me encontro com amigos, para o café regular, acabo sempre por referir este meu trabalho. “E então? Alguém aqui conhece alguém do bairro?”, ao que a resposta imediata era: “Isso é a sério? Mas tu não páras?”. Ocorre-me sempre as palavras do meu pai para responder: “Para seres o que os outros não são, tens de fazer o que os outros não fazem.” (Creio que ele não é o autor desta frase, mas é bom difusor da mesma e é uma das minhas fontes de inspiração).
De frente para trás, os meus pés por vezes arrastam-se no chão e são silenciados pelo barulho natural da rua e das suas pessoas. Seria algo insondável, desconhecido e avesso o que passei na última vez no Cerco. Um vazio de contacto mas um surto de curiosidade ávida. Acompanhada de uma pasta que carregava o fiel gravador, o bloco de notas, remexido pela chuva e o telemóvel. Em modo voo. Totalmente carregado. Na manhã desse dia, os que me são queridos, queriam saber do meu estado – hora a hora- por lá. Algo que por si só, achei curioso. A minha mãe, que tanto está habituada a ver a filha sair de pasta nas costas e botas de montanha, pronta para ir descobrir algo novo, estava reticente. Como surgem estas ideias pré-formuladas do perigo, associado ao bairro? Ela que daquele bairro sabe pouco. Recorda-se, apenas, de uma colega de trabalho, que era lá residente. Disse-me que gostava muito dela; que era muito trabalhadora. Sempre bem disposta. Uma boa amiga.
Desta vez fui pelo final da manhã, hora do almoço. Entro pelas traseiras do bairro. Tudo igual, aparentemente, em hibernação constante. Recordo-me de pensar que o Vicente, jovem residente do bairro disse “que está era a melhor zona para se entrar no bairro”. Por ser mais recatada. Pelo movimento que tem e pelas pessoas que sabe que lá vivem.
Caminhos que se fazem pelas árvores. Paralelos no começo no bairro. Parece ser um bairro entalado no requinte da cidade do Porto, do ocidente.
Os fones introduziam uma nova música: Eu sou, OUPA!Cerco
“Dizemos quem somos, mostramos de onde vimos, sabemos para onde vamos. Andamos unidos.”
Um ritmo que me convence, que me soa à irreverência da juventude, a fomentação dos sonhos áureos e, aqueles, que como eu, querem ser ouvidos. Escrevo no meu bloco o nome da rua: Rua Nossa Senhora do Calvário. Subo a rua, sem saber bem o que me espera. Parece que os minutos da música, o tempo voa e o passo aumenta de ritmo. Foi curioso pensar que já lá havia estado e sentia-me uma local. Imaginei os residentes, os comportamentos comuns, as ligações e contactos infinitos estabelecidos entre os locais. Inventei rostos, imaginei histórias, desenhei com os olhos corpos nas paredes. Por entre o raios de sol mansos, recordo-me de numa aula ter ouvidos dizer algo semelhante a “os cafés, os cabeleireiros, as escolas, o táxi, tudo isto é parte do cosmos de atividade”- e lembro de tirar notas: procurar cosmos de atividades. Seguia-se uma caminhada até uma rua ainda por descobrir. No meu lado direito, um edifício abandonado. Nas bermas da estrada, o verde da vegetação a tentar sobressair por entre o cimento. Os carros estacionados à direita da estrada. À esquerda da escola, o Centro Social e Paroquial Senhora do Calvário: um centro de dia e apoio domiciliário. Nos dois lados da rua, acessibilidade aos transportes públicos.
Levei 20 minutos a chegar à entrada da escola. Mesmo a tempo da pausa do período de aulas. A tempo de ser parte da moldura humana que se desloca em grupos. Alguns de fones nos ouvidos, de uma batida tão audível que os fones não conseguem conter o som de se ouvir. Jovens de cabelos soltos. Compridos. Pele morena e olhos cor de terra. Jeans apertados e casacos vistosos. Os telemóveis viram mecanismos de distração. Colegas de escola que se transformam- como que sombras- em multidões dispersas no espaço. Barulhentos, ávidos de vida, inquietos de pensamento. Tudo muito semelhante ao que é o quotidiano citadino. Nada se interrompia no sentido de normalidade juvenil. O ocidente e o oriental não são assim tão distantes.
“Dizemos quem somos, mostramos de onde vimos, sabemos para onde vamos. Andamos unidos.”
A música sussurra o fim. Dou por mim, ao lado da escola. Vejo muitos jovens. Talvez, regressam às suas casas, para o almoço. Tal e qual como qualquer outra escola. Saiem em grupos, em diferentes períodos de tempo. Mais mulheres. Mas seria precoce tomar isso como certo. Noto uma maior diversidade cultural: e lembro-me de tentar cantar. “Eu sou diferente, tal e qual como tu, também sou gente, também sou do bairro”, parte da letra, dos OUPA Cerco – Rótulos e Preconceitos. Soube, naquele momento, que queria trabalhar os jovens e a sua vivência no bairro. Para encontrar os jovens, tinha de procurar nas escolas. Começa assim um novo episódio da aventura.
“Felizmente temos escolas para os putos usufruírem para que sejam alguém na vida e os seus talentos, exibirem (…) Estou marcado por um rótulo (…) Cercados na frente, é respeito (…) O cerco sou eu. O cerco sou eu. O cerco somos nós”- OUPA Cerco, Cercados
- Cercados: Os jovens do Bairro do Cerco, seria este, o remate inicial.
Por onde começar? Quem procurar? Haverão artigos sobre os jovens do bairro? Será a educação foco dos mesmos? Haverão episódios mediáticos sobre as iniciativas educativas do bairro? Quais serão os locais de convívio no bairro? Haverá um só perfil do que é o jovem do bairro do cerco? Eis as perguntas ainda por serem respondidas.
Características locais e estudos académicos sobre o bairro
O bairro mudou. Em 2010, quando terminou o Contrato Local de Segurança para o Bairro do Cerco, o diagnóstico apontava para 3303 habitantes. Quando o anterior presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, pôs em marcha o processo de demolição do Bairro de S. João de Deus, muitos dos seus moradores foram realojados no Cerco.
Segundo o Site Oficial da Câmara Municipal do Porto, o Bairro do Cerco, é situado na Freguesia de Campanhã. Foi construído em 1963 e ampliado em 1991. É constituído por 892 fogos, distribuídos por 34 blocos, 892 casas, 835 famílias, e um total de 2074 habitantes.
- “A exclusão e a desqualificação sociais, a relegação, a segregação, a insegurança e a violência urbanas, associadas às zonas e às populações que habitam espaços e zonas periféricas e desvalorizadas. Na atualidade, a sociedade é cada vez mais dual, acentuando-se o desnível entre a sociedade integrada e a sociedade fragmentada.”, Excerto retirado do artigo “O Bairro do Cerco do Porto: cenário de pertenças, de afetividade e de simbologias” , de Paula Guerra.
De acordo com Jean Rémy e Lilianne Voyé, na obra Voyé, Ordre et Violence, a habitação tem vindo a ganhar cada vez mais importância como local de identificação da família e como local a partir do qual está a organizada a complexidade da vida quotidiana, como se o ser humano transformou a habitação num prolongamento do seu ser e do seu existir. A casa, como o espaço de excelência da intimidade, foi o meu ponto de partida.
Dentro do ceio familiar, onde entra o bairro e a comunidade?
Cristina Maria Pereira Oliveira, de 46 anos e está desempregada. Está no Cerco. Por necessidade, pediu ajuda para mudar de casa. Num mês, a sua vida alterou: mudou de uma casa – que estava em risco de derrocada e incêndio; Decidiu um divórcio, para lá viver.
Fala sobre a experiência da vida em bairros, em contraste com as ruas povoadas e remexidas - pelos turistas- no Porto. Partilha que está feliz e vê continuidade no bairro. Mas no início assim não era. No início, omitia onde vivia- nas reuniões de formação-, pelo rótulo. Rótulo, este, que partilha.
Uma casa em escombros, um divorcio, dois bairros à escolha, e escolheu o cerco. E se fosse hoje, voltaria a fazer tudo de novo.
A filha, que vive consigo, tem um maior controlo, talvez pela vivência no bairro. Acredita que a vivência no bairro não será para a filha ou outros jovens, um entrave na sua empregabilidade. Confessa que tem algum receio por ela, aquando a noite se instala. Como mãe, partilha as soluções para o apagar dos rótulos: fomentada pela nova geração. Falamos de evolução, de estudos, locais de formação, construção dos blocos e os transportes: pela sua visão, é uma rampa de lançamento. A solução para a destruição de estigmas, é o falar menos sobre o Cerco – de forma a dar menos protagonismo.
Sobre a vinda ao cerco, dá uma fórmula simples: respeito.
Ana Barros é uma jovem de 20 anos. Estuda Marketing, Publicidade e Relações Públicos. Nunca soube o que era o excesso, sabe as limitações familiares. Vê, no estudo, uma fórmula de sucesso; Uma alavanca para algo maior, melhor. Confessa que muitas vezes, se sente de parte por viver num bairro social. Uma jovem que desde muito cedo viveu em condições de habitação degradantes. Veio, partilha, de uma casa onde a derrocada, era iminente. De há quatro anos até os dias de hoje, esta jovem é parte da comunidade.
É perfeitamente consciente das desigualdades sociais e a fama: em especial das comunidades ciganas. Preconceito, este, que segundo a estudante, nasce nos media. Partilha a sua frustração sobre o tempo de antena que têm tópicos como os homicídios, drogas ou crimes. Sendo ela atenta aos media e redes sociais, formula a sua opinião sobre os rótulos.
No seu perfil reservado, confessa não ter uma abertura muito grande para a sociabilidade. Não motivado pela vivência no bairro, mas sim, pela sua personalidade. Sobre o bairro e que sobre aqueles que não lá vivem, é clara: Vem cá e vê.
De 20 anos e no auge da idade, pela sua experiência, parece-lhe que o bairro, é uma comunidade jovem. Mas será que o preconceito, se prospera, no tempo ou morre com as velhas gerações?
Quarta visita, Dezembro de 2018
Das crianças aos pais: uma obra que reúne todos
O Centro Social do Cerco do Porto é um dos 12 centros implantados por diversos bairros sociais da cidade do porto, sendo o mais antigo centro da obra diocesana de promoção social, com 42 anos de existência.
Aqui, são respondidas as necessidades sociais a nível da formação e cuidado – na infância – a creche e o pré-escolar. Situado na rua do cerco do porto, recebe dezenas de crianças, de diversas experiências socioculturais.
De forma a dar resposta eficaz, rigorosa e personalizada a situações reais de carência do bairro, o centro social do cerco do porto cria medidas para uma mais fácil acessibilidade a esses serviços, por parte de famílias carenciadas - por exemplo -preços mais baixos, maior aceitabilidade das crianças e um maior acompanhamento familiar.
Rua Principal do Cerco. Aí me encontrava. O edifício branco que gritava a presença de crianças. Entre desenhos e formas, que dão cor à obra. Fim de dia. Mães que chamam os seus filhos para o colo. No corredor da entrada, vários carrinhos de berço. Entre conversas de ocasião, surgem algumas questões. O microfone e a câmara continuam desligados. Quase que a fazer fila para falar, enumeram as excelentes condições, a felicidade que têm em ver os seus filhos e filhas, lá crescer. Estabelecem confiança. Explicam o processo de entrada e saída - uma campainha, chama um das responsáveis de sala e depois, dizem quem são e quem vão buscar. No final, assinam.
Sandra Pereira, é uma recente mãe. Martim é o nome do seu menino. Não é moradora do bairro mas, mesmo assim, escolheu a obra, para o seu filho. Partilha o processo de escolha de infantário, a sua experiência na obra e a sua visão sobre o bairro do cerco.
Quando da educação no bairro se fala, Sandra Pereira, acredita que a sociedade tem a imagem errada do que é o bairro e o facto de o seu filho estar a ter a sua formação no bairro, não a inquieta.
Das crianças, aos pais e aos formadores: uma obra que reúne todos, no seu ceio
A obra diocesana tem vindo a desenvolver em locais de uma maior necessidade económica, projetos de intervenção social, que se tornam próximos da população residente.
Tem 51 anos. Trabalha na obra há 30 anos. Desde sempre, conhece este protejo como parte da sua vida. Começou a estagiar num dos centros da obra. Na altura, em que acabou a formação foi proposto ficar. Abraçou o trabalho e diz gostar muito deste trabalho, por ser muito recompensador, por trabalhar com crianças que a desafiam, pelo meio em que estão.
Susana, tem 46 e trabalha na obra há cerca de 20 anos. A obra surge na sua vida, depois de um despedimento. Já teve em vários centros, na parte ocidental. Confessa que as vivências nos vários centros, são muito diferentes: pelos pais, pelas crianças. Confessa que é um trabalho enriquecer, porque lida com perspectiva e realidades bem diferentes.
Jovens professores no Bairro do Cerco
Maria João de Sá Balão Calisto Correia tem 25 anos e é Professora de Educação Física. Trabalha na Escola Primária do Falcão, que pertence ao Agrupamento das Escolas do Cerco. E partilha a sua experiência.
“Desde muito cedo desenvolvi o gosto pelo desporto por isso quando chegou a hora de escolher o que seguir na faculdade foi com naturalidade que segui desporto. Fiz a licenciatura em desporto no ISMAI, durante 3 anos, no Instituto Universitário da Maia e fiz o meu mestrado na FADEUP, durante 2 anos na Faculdade de Deporto do Porto. Na altura de escolher que mestrado seguir tive algumas dúvidas entre mestrado de alto rendimento e mestrado em ensino, contudo sempre gostei muito de crianças e de ensinar e como na altura já era treinadora de andebol, em que treinava crianças com menos de 12 anos e já tinha essa experiência de ensinar, acabei por escolher o mestrado em ensino da educação física nos ensinos básico e secundário.”
Desde quando dás aulas no cerco? Como foi a tua reação, após saberes?
Comecei a dar aulas no início do ano letivo de 2018/2019. Ao saber que ia dar aulas numa Escola do Agrupamento de Escolas do Cerco fiquei um pouco apreensiva, pois as referências que tinha das escolas do cerco não eram muito positivas, nomeadamente em relação aos alunos, onde a falta de regras e o mau comportamento foram dois dos argumentos que muitas vezes ouvi que dificultavam a função do professor.
Em que estabelecimento de ensino dás aulas? Como é a constituição da tua turma?
Eu dou aulas na Escola Primária do Falcão, onde tenho dois anos e quatros turmas, um 2º ano e um 3º ano. A turma do 2º ano é bastante heterogénea no que diz respeito ao género, tem mais ou menos o mesmo número de meninos e meninas. Já a turma do 3º ano apresenta apenas 2 meninas, sendo o resto meninos. O 2º ano apresenta idades entre 7 e 8 anos e os do 3º ano, entre os 8 e 9 anos. Nos meus 2º e 3º ano quase não existem ciganos, existindo apenas 2. Relativamente às condições económicas percebe-se que a maioria dos alunos tem uma condição económica baixa.
Já tiveste experiências noutras escolas? Se sim, em que difere ser professora no bairro do cerco?
Sim, já tive outras experiências em outras escolas. Dei durante dois anos aulas em Ramalde, dando aulas nas várias escolas primárias, nomeadamente, Escola Primária da Vilarinha, Escola Primária do Viso, Escola Primária João de Deus, Escola Primária das Campinas e Escola Primária dos Correios.
Creio que a grande diferença que encontrei é o meio onde dou aulas e o público-alvo para quem dou aulas, ou seja, os recursos materiais e espaciais levam-me a ter que adaptar o currículo de desporto do 2ºano e 3º ano para a realidade que tenho. Em relação ao público-alvo também se nota diferenças, nomeadamente a falta de regras de alguns alunos e o mau comportamento, mas acima de tudo, nota-se uma carência de afetos muito grande naquelas crianças e isso é que leva a que muitas vezes só queiram chamar a atenção, seja através de um bom ou mau comportamento.
Sendo o teu local de trabalho, o bairro do cerco, sentes que te tiveste ou tens de preparar as aulas, de uma forma diferente?
No que diz respeito a adaptação das aulas aos recursos materiais e espaciais sim tenho que adaptar as aulas, mas de resto, além de no inicio (primeiras duas semanas de aulas) ter sido difícil aplicar as regras da sala de aula e isso levou a que tivesse que recorrer a algumas estratégias para que os alunos passassem a cumprir as regras e as aulas pudessem decorrer da melhor forma, mas de resto não preparo de maneira diferente as minhas aulas.
Quais são as limitações que tens no bairro do cerco, como professora, que talvez, noutro local não terias?
Não sei se será por ainda estar há pouco tempo na escola, mas não senti muitas limitações, creio que o único cuidado e não creio que seja limitação, é ter cuidado na forma como abordo os pais pois já tive algumas vezes pais à espera para falar comigo sobre os filhos e como tenho conhecimento que já houve alguns pais que muitas vezes se exaltam e levam a que coisas escalem para violência verbal e física, tenho esse cuidado.
Com certeza que estás atenta às notícias e informações que veiculam nos media. Serão justificadas, ou seja, representativas da verdade?
Creio que algumas vezes são verdade, mas penso que isso é como todas as notícias que vemos, umas são verdade e outras não. Mas por exemplo muitas notícias que aparecem sobre a violência no bairro do cerco creio que sejam verdade, pois apesar de para já não ser a minha realidade, tenho conhecimento de algumas situações que ocorreram.
Pela vivência e experiência, o bairro do cerco é um bairro jovem ou envelhecido?
Pela realidade que com que me deparo todos os dias e essa realidade tem apenas em conta os bairros perto da escola do falcão, parece-me um bairro jovem.
Como professora é-te incutida também, a função de formadora de carácter. Achas que o local e ambiente de vivência, podem definir uma pessoa?
Eu sempre acreditei que as crianças irão fazer e ser aquilo que virem fazer e ser. As crianças apreendem com aquilo que as rodeia e com aquilo que vivem, por isso sim acho que define.
O bairro do cerco é dinâmico e multicultural, ou seja, com uma vasta presença de pessoas de vários backgrounds culturais. Será isso positivo para as crianças?
Acho que isso poderia ser positivo numa perspectiva de aprendizagem, ou seja, as crianças estariam sujeitas a várias culturas e isso poderia ser bastante positivo para o seu crescimento e aprendizagem. Contudo não creio que isso aconteça e creio que o que poderia ser positivo para as crianças acaba por não o ser.
O bairro do cerco tem vários projetos de integração civil, para as crianças. Já participaste em algum? Sabes da sua existência? Achas que faz diferença na vida das pessoas?
Ainda não participei em nenhum projeto de integração civil (gostava muito e será um dos objetivos no futuro), contudo, tenho conhecimento do projeto “Oupa” e outros. Acho que estes projetos fazem uma enorme diferença pois trazem oportunidades às crianças (neste caso desportivas) que de outra forma elas nunca teriam.
Para terminar, e falando da comunidade de professores do cerco. Há características semelhantes entre os profissionais? Em Junho deste ano, alguns funcionários das escolas do cerco, fizeram greve sob a justificação de falta de pessoal e condições de segurança. Identificas-te com esta ideia?
Entre profissionais creio que os professores das AEC´s são, por norma, professores jovens e os professores titulares estão à mais anos a dar aulas. No que diz respeito ao género existe um equilíbrio entre homens e mulheres.
Pedro. Tem 24 anos e é, também ele, professor de Educação Física, no Agrupamento de Escolas do Cerco. Partilha a sua experiência.
Por ser do Bairro do Cerco, como de qualquer outro bairro a opinião generalizada, poderá ser uma maior dificuldade para trabalhar. Será esta noção justificada?
Sobre os projetos a ser desenvolvidos, em especial na área desportiva, o professor, é claro.
Na música Do Cerco ao Centro, do OUPA Cerco - que tanto serviu de inspiração - ouve-se:“No meu bairro ou no teu, na minha rua ou na tua, representamos o que é nosso, nesta realidade crua”. Pessoas. Aquelas que moram no bairro do Cerco. Que conhecem a realidade crua, que são baleados de estereótipos e onde, os jovens, enfrentam, desde muito cedo, a falta. O evitar o excesso. O saber das limitações. A vida bairrenta. De quem lá está e nos fala, larga orgulho de lá estar e viver. Que não lhes tirem o bairro. Quem quem dele fala, que tenha atenção. Que a quem eles visita, que não deixe mais do que lhe é permitido. Que vá, que venha e que respeite.
Para alguns escolhas, para outros necessidade. Para todos, a sua casa. “Do Cerco ao Centro”. A parte ocidental, é muitas vezes colocada em primeiro plano. A parte oriental, continua viva e representa muito do que é a cultura portuguesa e portuense.
Vários jovens dia após dia encontram-se na Rua Cerco do Porto Bloco 34 nº 50A para por em prática o que vão aprendendo todas as semanas.
A musica é um dos elos de ligação entre os jovens e a Associação Cerco Estúdio Comunitário Oupa!Cerco.
Ricardo Lopes e Jorge Saraiva são dois dos elementos que compõe a equipa do Oupa!Cerco.São mais conhecidos pelos seus nomes artísticos Ricardinho e Joca. Nas palavras de Ricardinho um dos artistas e membros da associação o Oupa!Cerco é um modo de vida.
Os membros do associação, enumeram as pessoas que foram importantes para que este projeto se torna-se real. Refere que os próprios membros de jovens que participaram foram cruciais para o projeto.
Capicua conta na crónica de opinião na revista Visão como nasceu o Oupa.
“Tudo começou em 2015 a convite de Paulo Cunha e Silva. O Pelouro da Cultura da CMP tinha um novo projeto chamado Cultura em Expansão, cujo objetivo era levar arte e cultura aos bairros mais desfavorecidos da cidade. Dentro desse projeto maior, nasceu o OUPA” na qual a Capicua integrou a equipa.
E continua a explicar “A ideia era fazer uma residência artística de seis meses no Bairro do Cerco do Porto, com oficinas de escrita, produção musical, vídeo e conceção de espetáculos, tudo para culminar num grande concerto no Rivoli, em que se apresentaria o trabalho feito e um documentário sobre o processo.”
Pedro Cruz integrou a equipa, devido à formação em Psicologia e em cinema, visto que o mesmo já tinha participado em projetos do género. Contudo, diz que “a hipótese de participar na produção de um documentário pesou”. Cruz, acompanhou os primeiros contactos e tomadas de decisão, deu workshop de som e participou “na realização do documentário de André Tentugal e Vasco Mendes, como operador de som.”
Define o Oupa!Cerco como um “um projeto de intervenção pela arte, num território em estado de desânimo aprendido.” Realça ainda que, “o mais importante foi a relação criada com os intervenientes e entre estes e o resto da sociedade, que os viu com outros olhos. O real trabalho foi feito aí, a partir dos afetos que a arte permitiu explorar”
Tiago Espírito Santo por outras palavras, explica o que é para ele o Oupa!Cerco “um projeto social com base nas artes com o objetivo de enfrentar as barreiras físicas e psicológicas que afastavam o bairro do cerco do resto da cidade.” A principal função de Tiago Espírito Santo foi como psicólogo da equipa. Convidado pela Câmara Municipal do Porto, para fazer parte da equipa aceitou, devido a já ter colaborado num projeto em Espinho com a coordenadora/ psicóloga dos Oupa! Gisela Borges.
Declara que as principais dificuldades foi no início “ tentar com que a comunidade percebesse o nosso intuito” no qual “foi muito difícil. Os jovens principalmente tinham muita desconfiança em relação ao nosso propósito” esclarece o psicólogo.
Ricardinho também questionado diz que as maiores dificuldades foi com a abertura do estúdio comunitário.
Ao mesmo tempo Joca explica a importância do Oupa para acabar com “o estigma da miudagem na rua” e “e que aqui também se faz coisas boas”
“Às vezes nem tudo é como parece/ E relatos nem sempre são reais sobre aquilo que acontece/ Mas quem vem cá não esquece a pura realidade/ E vamos levar o Cerco ao centro desta cidade” (Do Cerco ao Centro)
Está é uma das músicas mais emblemáticas do projeto. Questionados sobre o cerco estar mais perto do centro responde que sim. De facto notam que a opinião das pessoas mudou e que antes do projeto sentiam-se um bocado discriminados e agora passaram a ser exemplos. Realçam que os Oupa conseguiu chegar ao centro e a mais bairros, como foi o exemplo, de Ramalde e Lordelo.
Na opinião de Pedro Cruz, acredita que sim, “o país ouviu falar do projeto e ainda hoje as pessoas se lembram. Isso diz tudo”. Tiago Espírito Santo não discorda, e dá o exemplo do interesse desta reportagem é um sinal de que algo mudou. Continua, “o cerco não é mais um shopping de drogas, há mais do que isso”, existem pessoas e projetos e principalmente vontade de melhorar. Acrescenta “os jovens têm desenvolvido um grande trabalho com a comunidade, para além do estúdio comunitário que está de portas abertas”. Juntamente com a Escola do Cerco, permitiram que os mais novos explorassem os gostos musicais com supervisão. E de facto os Oupa superaram-se quando o próprio Presidente da Republica convidou os Oupa para atuarem na visita do Marcelo Rebelo de Sousa ao Cerco.
Para Cruz as expectativas foram superadas quando etapas não estavam programadas e aconteceram como foi a experiência no Marés Vivas, como também, a construção do estúdio pelos ex-participantes. “ Alguns dos participantes passaram de uma situação em que não estudavam nem trabalhavam, para passar a, pelo menos, ter um emprego.”
Salienta que um dos objetivos era os jovens conseguirem emprego, e que é “ bom saber quando ocorre uma mudança estrutural na vida de um participante. Quero crer que em parte se deveu ao projeto”.
Joca salienta que a primeira edição é ainda a que continua com a ideia de “tirar os miúdos da rua” e a relevância que as ferramentas criadas pelo Oupa! trouxeram para cada membro. Como também o orgulho de serem os primeiros.
Muito obrigado/ muito obrigado por todos me sinto oupado/ muito obrigado agora o futuro olha por nós desse lado/ muito obrigado/ isto é oupa na casa vem sentir o clima/ metemos o rap sempre lá em cima/ uma homenagem ao Paulo Cunha e Silva criou um projeto que agora caminha.
Oupado é a letra da música que os Oupa!Cerco escreveram em homenagem ao Paulo Cunha e Silva. O pensador deste projeto. Sendo que é através das letras de cada música que transmitem a realidade vivida no bairro.
Destacam as surpresas que tiveram ao longo do projeto, o compromisso e talento de quem quis participar e a dedicação da equipa. “A garra dos jovens foi uma chapada de luva branca para quem pensou que iria ver um espetáculo dos jovens do cerco, acabaram por assistir a um espetáculo de artistas do cerco” diz Tiago Espírito Santo, sobre o espetáculo dos Oupa no Teatro Municipal Rivoli.
Para 2019 prometem mais surpresas e trabalho mas ainda continuam fechadas a sete chaves.
Para acompanharem o projeto e as novidades dos Oupo!Cerco podem aceder as suas redes sociais.
https://www.facebook.com/oupacerco/ - Link para a pagina de facebook do grupo.
Tiago Fonseca
O bairro propriamente dito
O bairro do cerco é um bairro de habitação social situado na freguesia de campanhã. Atualmente, vivem nele cerca de 2000 pessoas dístribuídas por 34 blocos. Em 1991, o bairro do Cerco recebeu cerca de 50 famílias pertencentes ao já demolido bairro S.João de Deus, o que provocou grande inquietação junto dos antigos moradores pois acreditam ter aumentado a violência e a insegurança a partir daí. O cerco vive desde então conotado com esse rótulo, mas qual a razão de tanto preconceito? Será o bairro assim tão nocivo e perigoso? No sentido de averiguar esta problemática, fui conhecer a associação de desenvolvimento comunitário Cerporto na tentativa de perceber o seu contributo para a comunidade, a perspetiva que tem da vida no bairro, e o testemunho de utentes da associação para avaliar a importância da mesma.
O papel e o modo de funcionamento da Cerporto
Marcavam 9h em ponto no meu relógio quando sai de casa rumo à CerPorto localizada em pleno bairro do cerco . Lá, aguardavam-me duas colaboradoras, cada qual responsável por uma das duas problemáticas (centro de acompanhamento de crianças em idade escolar e formação de utentes benefeciários do RSI) a que a associação dá resposta.
Sandra Cavacos e Andrea Rocha foram as duas trabalhadoras com quem contactei, dias antes de marcar presença no bairro.
Questionada sobre o surgimento desta associação Sandra Cavacos, educadora social, afirma que, embora não tendo estado presente no momento da fundação, foi-lhe transmitido que esta surgiu inicialmente como um sítio onde as pessoas se juntavam para o convívio. Acrescenta que funcionava como uma “associação de moradores” que, para garantir a sua subsistência, tinha nestes alguns dos seus sócios.
A CerPorto disponibiliza ,assim, um ATL que alberga cerca de 40 crianças que após o término das aulas se encaminham para lá.
Podem frequentar o ATL as crianças com idades compreendidas entre os seis e os 18 anos ou aquelas que, no caso de ultrapassarem a referida idade, estejam ainda a frequentar o ensino secundário.
Para garantirem o acolhimento das crianças no ATL , os encarregados de educação devem enviar um requerimento para a segurança social onde exponham a sua situação, sendo que, segundo relata Sandra Cavacos , “existem ainda muitas crianças em lista de espera” o que levou a associação a solicitar à Câmara Municipal do Porto um espaço maior.
Deste setor estão encarregues três funcionárias: uma educadora social , uma animadora e ainda a empregada de limpeza.
A educadora social explica então todo o processo :
Para além da vertente educativa, a Cerporto tem um protocolo com a segurança social responsável por proporcinar aos utentes, que não tenham declarado rendimentos ou cujos rendimentos de que dispõem sejam insuficientes para a sua subsistência, o rendimento social de inserção (RSI). Para isso , a associação conta com quatro colaboradoras responsáveis pela formação destes utentes. O objetivo principal é a preparação para o mercado de trabalho, como explica Andrea Rocha, colaboradora da associação :
Relativamente aos apoios, absolutamente indispensáveis para a manutenção desta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), Sandra Cavacos referiu o apoio prestado pela Câmara Municipal do Porto bem como pela Junta de freguesia de Campanhã , contando igualmente com uma parceria com o Banco Alimentar.
A realidade do Cerco na perspetiva de quem lá trabalha.
Quando interpeladas sobre as principais difculdades, Sandra Cavacos e Andrea Rocha foram perentórias em referir o acomodamento de alguns benefeciários ao RSI explicado pelo facto de “viverem muito confinados à realidade do bairro não procurando trabalho.”
Outro aspeto referido foram as dificuldades financeiras que a associação atravessa por se tratar de uma IPSS. “ Como a Cerporto não tem a visibilidade de uma Cruz Vermelha, por exemplo, não conta com tantos apoios nem com tantos associados o que faz com que esteja mais vulnerável desse ponto de vista” reitera Sandra Cavacos.
Andrea Rocha acrescenta ainda que uma outra dificuldade é a “resistência que as pessoas oferecem”, visto que nem sempre se mostram disponíveis para colaborar. Este é ,portanto, um dos maiores desafios das colaboradoras da associação: cativar e conquistar a confiança dos utentes para que todo o processo de formação se torne mais fácil. Sandra Cavacos complementa a colega afirmando :“ as pessoas esquecem-se que não têm só direitos e tem de cumprir os seus deveres” numa clara alusão ao contrato que estes utentes assinaram com a segurança social.
Esta renitência dos utentes em aceitar as ações de formação pode ser justificado, do ponto de vista de Andrea, pela constante fiscalização que é feita pela policia de segurança pública (PSP) a estas pessoas.
Passo a explicar: segundo me foi dito, quando as pessoas assinam o contrato para receber o RSI têm uma série de deveres que devem ser cumpridos. Entre esses deveres estão a obrigatoriedade de receber as visitas dos agentes da autoridade em suas casas. Essas visistas têm como principal objetivo averiguar se aquele agregado familiar tem as condições mínimas (higiene, aspeto financeiro, aspeto emocional, entre outros) para a sua subsistência, daí a referência feita pela educadora social.
A temática do preconceito relativo ao bairro e à conotação menos positiva que este apresenta foi debatida no seguimento dessas declarações, sendo que ambas as trabalhadoras referem o receio e o notório desconforto dos forasteiros que entram no bairro do cerco. Este facto atribuem-no à imagem transmitida pelos meios de comunicação social, onde raras são as vezes onde o bairro é noticiado pelos bons motivos. No entanto, não há só coisas más a acontecer no bairro...
Para Sandra Cavacos, até na questão da empregabilidade, este problema do preconceito emerge.
Refere conhecer de perto casos em que utentes seus foram preteridos por morarem no bairro do cerco. A colaboradora prossegue, dizendo que muitas vezes a solução encontrada pelos utentes passa pelo “fornecimento de uma morada falsa” pois consideram existir mais probabilidades de conseguirem emprego desta forma. Fiquei curioso com esta afirmação o que me levou a manter o rumo da conversa no sentido de a aprofundar. Foi então que a educadora social referiu que, apesar de existirem ótimos profissionais no bairro, até a forma de vestir informal, muito característica, pode ser penalizadora no critério de seleção para um possível emprego.
Aproximava-se a hora de almoço, que coincidia com o aproximar do fim da entrevista. No entanto, havia uma pergunta que não podia deixar de colocar para aferir o quão gratificante era este trabalho da associação dentro da comunidade do cerco .
Perante esta questão as duas colaboradoras da associação não hesitaram em afirmar que, “ apesar de ser um trabalho díficil e cansativo ,qualquer progresso, por mais pequeno que seja é sempre encarado como uma grande vitória.”Para além disso, o carinho que recebem das crianças e o que aprendem com elas, torna esta missão ainda mais gratificante.
O impacto da associação na comunidade.
Durante o segundo dia de visita ao bairro do cerco , e já mais ambientado, falei com duas utentes desta associação que deixaram o seu testemunho ,mas não permitiram a gravação da sua voz : Fabiana Cruz, 37 anos, ex-benefeciária do RSI atualmente a trabalhar no ramo da limpeza ,quando questionada sobre o impacto da associação na sua vida em particular e na comunidade do bairro em geral, não hesitou em elogiá-la: “ a Cerporto dá-nos as condições que precisámos para poder trabalhar”, prosseguindo dizendo que neste momento encontra-se de baixa médica porque fraturou uma perna, mas que espera rapidamente voltar ao trabalho. Fabiana aponta também novas dinâmicas que a Cerporto criou no bairro “ conseguiram preparar as pessoas para o trabalho, e olhe que existia muita gente que com 40 anos nunca tinha trabalhado” conclui.
Outro testemunho que ouvi foi o de Paula Costa, 30 anos, beneficiária do RSI e correntemente desempregada, que declara; “ agradeço à Cerporto pelo que fez por mim, mas, neste momento, não quero procurar trabalho.” “ O RSI é pouco mas chega para o dia-a-dia.” “Não tenho necessidade de ir ao Porto, sinto-me muito feliz aqui”.
O testemunho de Paula espelha o acomodamento e isolamento identificado anteriormente pela educadora social.
Um dos aspetos curiosos que pude observar durante a visita ao bairro e que já me havia sido dito pela educadora Sandra,foi o sentimento de pertença das pessoas àquele local e o alheamento face a tudo o resto. Vivem como se estivessem num mundo à parte e falam do Porto “ como se ficasse longe”.
Pude constatatar este “bairrismo” e o sentimento de pertença das pessoas a este local, em todos os locais por onde passei.Também nos cafés onde entrei , presenciei conversas onde afirmações como “ O nosso bairro nao merecia isto”, “ Antigamente não era nada assim” , marcavam esse espaço de conversação.
Neste capítulo final, abordamos a história das estórias, ou seja, procuramos refletir sobre todo o processo do trabalho do exercício jornalístico que agora apresentamos. A ideia é partilhar o caminho: as dificuldades, como as transpusemos, o que aprendemos, o que muda em nós e quais os pontos fortes.
Ana Patrício
Num bairro carregado de estereótipos, que remete a imagens de violência, crime e drogas, o presente trabalho serviu para desmistificar algumas das imagens pré definidas. Apesar de alguns testemunhos afirmarem que, efetivamente as ideias preconcebidas em relação ao Cerco não correspondam à realidade, outros suspiram por uma época passada e refutam que, se pudessem, não hesitariam em viver noutro local.
Neste trabalho propus-me a ouvir, a ouvir histórias reais, de pessoas reais com muitos anos de experiência no bairro. Um dos grandes desafios foi exatamente conseguir chegar até elas, sem que estas tivessem receio de falar, e manter o equilíbrio na gestão das questões, isto é, não invadir a vida pessoal do testemunho, para não suscitar possíveis consequências e, ao mesmo tempo, ter em conta a questão base que o trabalho aborda.
De forma mais pormenorizada, no trabalho de campo, o facto de vários testemunhos assinalarem um desagrado no Cerco pela presença da etnia cigana, proporcionou que devêssemos tentar perceber qual a visão desta etnia em relação ao bairro, de modo a confrontar as duas visões e as diferentes perspetivas. A maior dificuldade foi precisamente como deveríamos colocar as questões, o que implica a presença constante da ética que é o elemento basilar dos princípios do jornalismo.
A título pessoal, considero que os objetivos deste trabalho foram parcialmente cumpridos, uma vez que fiquei satisfeita com os resultados. Tentei maximizar a eficácia ao longo de todo o trabalho e acredito ter sido bem-sucedida tem em conta o produto final. De uma forma geral, o presente trabalho contribuiu para o desenvolvimento da minha capacidade de investigação, de seleção de informação, de escrita e de organização metodológica. Após a realização, sinto que domino melhor o trabalho em campo e aperfeiçoei os meus conhecimentos na área da investigação
Considero, portanto, que esta realização foi uma mais valia para mim, visto que foi um desafio pessoal e profissional que me permitiu abrir horizontes. Vi-me obrigada a mergulhar mais fundo, o que contribuiu para o enriquecimento da minha bagagem cultural, e de certa maneira tornou-se o baluarte para próximos desafios.
Deste modo, posso proferir que o balanço que faço após todo o percurso até à entrega do trabalho, é bastante gratificante.
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Ana Luísa do Vale
Com vista à abordagem do Cerco, eu e a Ana optamos por desenvolver a questão da visão da terceira idade do Bairro do Cerco. A análise e recolha de informação foi realizada em 4 visitas: Uma primeira acompanhadas pelo Vicente, onde conhecemos o espaço e os locais; uma segunda já em contacto com dois centros de dia; uma terceira de recolha no exterior; e uma última no Centro Paroquial do Porto e ainda com depoimentos no exterior.
O tema nem sempre foi este, a ideia que tínhamos inicialmente, e também o motivo pelo qual nos unimos, era a de desmistificar os estereótipos em volta da Escola Básica do Cerco: “Como se sentem os alunos a estudar nesta escola?”, “Existe preconceito do exterior por estudarem aqui?”. E os professores: “Sentem receio por dar aulas neste contexto?”, “Algumas se sentiram ameaçados?”. No fundo, colocar em causa a ideia muitas vezes transmitida, apresentando os dois lados: alunos e professores. A ideia não se manteve uma vez que não só o contacto com a Escola não estava a ser favorável, não nos respondiam quer a chamadas quer a emails, como também a época não foi a melhor uma vez que surgiram as férias de Natal. Também a visita com o Vicente nos abriu novos horizontes. Habituadas a realizar trabalhos com idosos e Centros, gostamos desse contacto, da voz que estes têm e da capacidade de olhar de uma forma mais ponderada.
Partimos para a aventura e contactamos os dois centros de dia que correspondiam ao critério: ter idosos pertencentes ao Bairro. Aqui começaram as dificuldades. O Centro Paroquial não mostrou qualquer adversidade, não haviam muitos utentes pertencentes ao Cerco, mas era possível entrevistar os que eram. No entanto, quando nos deslocamos ao Centro Social do Cerco do Porto vimo-nos derrotadas pela questão da Proteção de Dados. Nenhum dos utentes pertencentes ao Cerco tinha autorização para ser filmado ou entrevistado. Focamo-nos no Centro Paroquial e optamos por acrescentar-lhe depoimentos de rua.
O Centro de Dia Paroquial foi de contacto simples, os idosos, habituados a lidar com filmagens e alguns com entrevistas, mostraram-se predispostos e sem receios. Alguns mais tensos no início foram-se abrindo, outros mostraram-se à vontade logo de inicio.
Entramos no Bairro na procura de pessoas, com alguma idade, que se estivessem dispostas a falar. Nos dias anteriores no Bairro já tínhamos mantido contacto com algumas pessoas, nomeadamente a Dona Júlia e a Dona Aida que passam as tardes na varanda. O contacto com estas foi fácil, não nos deixaram filmar, tinham medo da havia receio com a televisão, e tivemos que parar por algum tempo e deixá-las confortáveis o suficiente para que falassem sem medo. Notei algum constrangimento com o que se passa na televisão e com a ideia que se transmite. A conversa fluiu e, no final, permitiram até que tirássemos uma foto. Foi daqui que surgiu a nossa divisão de géneros jornalísticos: Reportagem de Rádio para os depoimentos do exterior e de Televisão para os do Centro.
A mercearia do Bairro era um ponto de referência e achei que podia ser um local onde não só se concentravam várias pessoas, como também o próprio dono nos poderia ajudar. João Nogueira foi extremamente acessível, não falou muito, mas não só transmitiu o seu ponto de vista, como também incentivou os clientes a fazê-lo. Não foi bem-sucedido, senti alguma tensão por parte das pessoas que lá se encontravam, não queriam falar e para elas o bairro estava muito bem e não havia nada a dizer. Aquela abordagem criou-me algum receio, se calhar não íamos conseguir entrar em contacto com mais ninguém.
Joaquim Fernandes e José Fernandes, de etnia cigana, foram depoimentos muito simples. Não questionaram nada, não tinham receio de falar e deram-nos a entrevista mesmo onde os encontramos, no meio da rua. O preconceito foi colocado de parte, quando entrei neste contexto deixei para trás qualquer estereótipo ou “medo” em relação a determinadas comunidades.
De certa forma, esta experiência permitiu-me abrir a mente. Saí fora da caixa e de tudo o que tinha feito até hoje. Não era, nem nunca fui preconceituosa, mas talvez me tivesse deixado levar pela imagem de que o Cerco era muito perigoso. Não excedi os meus limites, o Vicente traçou aqueles que eram os lugares “a evitar” e não pisei o risco.
Muitas das vezes senti-me inibida a “quebrar o gelo”, “Será que vão reagir bem? Será que querem falar?”, nesse sentido este trabalho foi um teste completo. Obrigou-me a perder o receio e a ir, a tentar a minha sorte mesmo que leve com um “não”. Também o aconteceu, várias pessoas não queriam falar, não se explicavam muito, mas entre palavras diziam que “já se falou demais”.
Senti, essencialmente, que a ideia que muitas vezes se cria em volta do Bairro depende do olhar com que se os observa. Um olhar distante ou de julgamento irá obviamente torná-los mais sensíveis e também por isso mais à defesa. Nesse sentido, a minha postura foi de envolvimento, queria que, apesar de reconhecerem que não pertencia ali, não os estava a inferiorizar, queria sim perceber a sua visão.
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Oupa!Cerco - Diana Nogueira
As maiores dificuldades foi a contacto com a associação. No entanto, depois do contacto inicial a recessão por parte do Oupa!Cerco foi muito positiva. Essa dificuldade foi ultrapassada com insistência. Outra das dificuldades foi escrever a reportagem em si. Mas depois de ter apresentado o trabalho e de ter lido outra vez foi mais fácil melhorar a reportagem.
Os pontos fortes do trabalharam é a entrevista aos dois membros do Oupa!Cerco, mostrando disponibilidade para a entrevista, e a forma como foram respondendo a cada pergunta. Mas não deixo de ressaltar os outros entrevistados que se mostraram automaticamente disponíveis. Uma das minhas grande surpresas foi ter contactado a cantora Capicua e está ter respondido, no entanto, devido à sua vida pessoal não conseguimos marcar entrevista mas disponibilizou logo outros nomes de pessoas que eu podia contactar para realizar a reportagem.
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Bairro do Cerco – Bloco 17
Carlos Rafael Moreira
Não é com uma simples pesquisa no Google que se consegue fazer um projeto desta dimensão a nível de elementos e recursos jornalísticos. Sinto que o processo de realização, nomeadamente a ida ao terreno e a procura das entrevistas me fizeram crescer e evoluir em todos os aspetos.
Mas não foram só coisas positivas ao longo deste percurso, surgiram algumas dificuldades, não só na edição que é um trabalho complexo e demorado, mas na procura de fontes. Após várias pesquisas, decidimos então iniciar esta trajetória pela Junta de Freguesia de Campanhã, onde conhecemos Carla Carvalho, assistente social responsável pelo Bairro, nos acompanhou até ao local e nos apresentou um individuo, residente no bairro há 55 anos que se recusou a ser entrevistado porque “é muito perigoso”, afirmou. Fomos embora como tínhamos ido, sem entrevistas nem material para o trabalho. Depois conhecemos o Jorge Vinhas, que disponibilizou para uma visita ao Centro Social do Cerco do Porto onde conhecemos Ana Vale e a foi a conversa com ela que nos levou a mais morados do Cerco, todos há mais de 30 anos: Clara Madalena – 53 anos -, Conceição Ramos – 64 anos -, Orlando Bartolo – 57 anos -, Maria Filomena – 48 anos -, Manuela Braga – 50 anos -, Maria Mendes – 37 anos -, Conceição Ramos – 61 anos -, que se mostraram de imediato disponíveis para falar do Bairro, visto que ninguém o conhece melhor que eles.
No geral, a realização desta investigação jornalística foi positiva e toda a nossa persistência, dedicação e até mesmo paciência serviu para o nosso desenvolvimento e crescimento pessoal e profissional.
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Cercar-Te: os miúdos do bairro estão bem
Daniel Dias
O título da nossa reportagem surgiu a partir da música “The Kids Are Alright”, dos The Who. Acordei às 2h30 do dia 6 com aquele refrão a tocar na minha cabeça, e tive que escrever logo “os miúdos do bairro estão bem” nas notas do meu telemóvel antes que a ideia fugisse. Por um lado, achei que a frase tinha uma sonoridade interessante, mas o próprio significado que se pode retirar dela tem muito que ver com aquele que acabou por ser o tema da nossa reportagem. O Bairro do Cerco pode ser um sítio seguro para as crianças? Elas sentem-se bem ali? Fazia sentido que o título refletisse essas questões.
O estilo narrativo dos capítulos que iniciam e encerram a reportagem foi inspirado no livro “Caderno Afegão”, da autora Alexandra Lucas Coelho. Tentei escrever como se estivesse a registar apontamentos num diário de bordo. Inconscientemente, ainda dei por mim a tentar replicar a escrita de Truman Capote. Olhei muito para a forma como descreve o ambiente à sua volta e faz com que pequenos reparos que à partida parecem triviais se transformem em elementos fulcrais da sua reportagem. O belíssimo texto “Marlon Brando, on Location”, que Capote escreveu para o The New Yorker em 1957, acompanha-me desde que o li pela primeira vez, e serviu como referência.
As dificuldades apresentaram-se antes de sequer chegarmos ao Cercar-te. Não pensávamos que nos íamos perder, até porque tínhamos feito o caminho até ao bairro com o Vicente em novembro do ano passado. Talvez fizesse sentido falar dessa nossa contrariedade apenas na metanarrativa, mas a resposta que recebemos da pessoa a quem pedimos direções foi tão forte que, de imediato, tivemos a ideia de a incluir no texto principal. A quase-incredulidade com que nos olhou quando perguntamos onde ficava o Cerco tinha tudo a ver com o que queríamos explorar na reportagem. Queríamos entender de que maneira o estigma criado em torno do bairro prejudica ou dificulta o desenvolvimento das crianças, e como o Cercar-te consegue contribuir para esse estigma ser combatido e minimizado.
O título do nosso primeiro capítulo está relacionado com essa problemática e quisemos que ele possibilitasse uma interpretação dupla. Pode funcionar como um convite que fazemos à pessoa que nos está a ler (“quem quer vir connosco ao Bairro do Cerco conhecer o Cercar-te?”) ou pode, de uma forma mais perversa, representar uma pergunta que seria feita por alguém com essa visão estigmatizada do Cerco (“quem querer entrar nesse bairro cheio de droga e crime?”). Fizemos uma pequena provocação. E na primeira frase do penúltimo parágrafo, tentamos responder a essa mesma provocação. “Estamos no Bairro do Cerco.” Estamos aqui, e estamos a observar, pelos nossos próprios olhos, o que se passa no bairro. Estamos a ver que as crianças têm no Cercar-te uma segunda casa, e estamos a ver que têm do seu lado um grupo de monitores genuinamente investidos no projeto.
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Susana Oliveira
Estudar o código deontológico dos jornalistas é bastante simples, pô-lo em prática nem tanto. Quando estava a entrevistar as crianças e os jovens havia imensas questões que queria fazer, mas foi tão difícil perceber quais eram as certas e quais eram as erradas.
Foi apôs fazer uma questão - que me pareceu simples na altura - a Júnior sobre a posição adquirida pelos seus pais quando este veio para o Cercar-te que percebi que de simples a pergunta não tinha nada e que eu não podia partir de pressupostos. Após a minha questão, Júnior fez silêncio e apresentou a posição da mãe, sem nunca mencionar o pai. Ups, pergunta errada: check. Decidi, posteriormente, deixar os miúdos, guiarem a “conversa”. Assim, poderia perceber mais facilmente em que pontos poderia tocar e de que forma poderia abordá-los. A partir dali comecei a prestar mais atenção não só ao que diziam, mas como agiam. Eu sabia que os testemunhos eram importantes em Jornalismo, o que eu não sabia era o quão importante a observação era. Ao aperceber-me da relevância da observação em Jornalismo coloquei em causa até que ponto era objectivo eu narrar os acontecimentos através do meu olhar, mas depois lembrei-me de uma questão que o professor Rui Pereira retoricamente elaborou: “Como é que o jornalista consegue não ser imparcial? Não consegue, ponto.”
Eu e o Daniel decidimos esperar uns dias para começar a trabalhar a informação recolhida de forma a tentarmos filtrar aquilo que era facto daquilo que era emoção e, embora soubéssemos que nunca poderíamos ser totalmente imparciais, tentamos ao máximo sê-lo, mas fizemos questão de deixar a nossa visão do Cercar-Te e acho que isso está bem vincado ao longo da reportagem, ainda que de forma discreta. Nós estivemos lá, nós conhecemos aquelas pessoas, nós interagimos com elas, conhecemos as suas histórias e abraçamo-las. Não estivemos só lá como “jornalistas”, estivemos como duas pessoas que genuinamente queriam conhecer o Cercar-Te, ou pelo menos eu estive e é praticamente impossível ocultar isso.
Face a isto, imponho uma questão: como é que eu me afasto emocionalmente dos acontecimentos quando estiver no terreno? Tentar fazê-lo no Cercar-Te foi extremamente difícil. No último dia em que lá estive durante a aula de teatro, a professora colocou música e os meninos começaram todos a dançar e abraçarem -se. Eu estava a filmá-los quando me apercebi que um dos meninos - Leo, de 8 anos - me estava a abraçar fortemente. Abracei - o de imediato e os meus olhos encheram - se água. Não sei explicar o que aconteceu, nem sei explicar como me senti, mas ali não estava nenhuma jornalista, estava só lá eu. Enquanto futura jornalista sinto que este será um dos principais desafios que terei de enfrentar – encontrar um equilíbrio entre o ser humano que está a filmar e o que está a observar. Agora, sim, tenho essa noção.
Um jornalista tem de ter estofo. Ter estofo, sim. De onde venho esta é a expressão que usamos quando queremos dizer que é preciso ter garra, força e coragem. Estaríamos a ser hipócritas se disséssemos que isto é não é verdade. Porque se não é para me tornar uma jornalista com estofo, uma jornalista com vontade de corrigir estigmas e com coragem para ouvir histórias vulneráveis e conseguir contá-las sem sensacionalismos, se não é para me tornar em quem dá voz a quem não a tem porquê me dar ao trabalho de ser uma jornalista? Este era o tipo de jornalismo que eu achava que queria fazer antes de conceber esta reportagem. Agora, eu tenho a certeza que este é o tipo de jornalismo que quero fazer.
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Bairro do Cerco – Bloco 17
Inês Fernandes
Nesta reportagem tínhamos como principal objetivo conhecer histórias e pretendíamos que os moradores do Bairro nos deixassem ter uma boa conversa e até mesmo entrar dentro das habitações, algo mais do que aquilo que conseguimos obter. Tivemos de nos restringir à entrada do Bloco 17 para realizar as nossas entrevistas e os moradores pouco falavam das suas vivências e de tudo que pensam acerca do Bairro. Uma das maiores dificuldades nesta investigação foi mesmo o acesso aos moradores que se tornou escasso, visto que o nosso foco era, essencialmente, as pessoas mais antigas do Bairro. No entanto, estávamos acompanhados por uma moradora que nos ajudou imenso a convencer os habitantes a aceitar que fossem filmados, pois esse foi um dos grandes obstáculos imposto por eles.
Antes de realizar uma investigação é preciso fazer uma recolha de informação acerca de tudo o que pretendemos analisar de forma a facilitar o nosso trabalho. Ainda que seja um Bairro com uma conotação muito negativa e considerado problemático, conhecer aquele que é o “mundo” daqueles moradores que cada vez mais está a ser destruído e a insegurança que sentem em relação á sua casa e à falta de condições, foi o que mais se destacou durante todas as nossas idas ao Bairro. Ainda assim, ver que apesar de tudo isso o companheirismo ainda existe e a relação entre vizinhos consegue manter-se, foi uma das melhores visões que posso retirar desta investigação jornalística pois ensina que é preciso realmente entender as pessoas, o espaço em que estamos inseridos e tudo o que nos rodeia para conseguir toda a informação necessária a fim de alcançar uma excelente reportagem.
Apesar de termos visitado o Bairro por quatro vezes, senti que ainda há muito por conhecer daquilo que é a sua realidade. Ainda que existam projetos a ser feitos a nível de reabilitação, foi a falta de segurança neste Bairro que mais me preocupou. Foi um dos motivos para não termos percorrido o Bairro todo, devido a alguns blocos serem considerados “perigosos”.
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Bairro do Cerco – Bloco 17
A segurança e as condições habitacionais: Como é morar num bairro considerado de cariz social negativo?
Gabriela Bernard
O nosso processo de investigação jornalística foi iniciado através da procura de possíveis fontes e na visita ao Bairro do Cerco de modo a termos a perceção do ambiente em que iríamos trabalhar. A dificuldade que mais senti foi claramente em encontrar fontes que aceitassem dar-nos o seu depoimento pois, para além de ter sido o nosso primeiro contacto com a experiência de ir para um local que não conhecíamos, na nossa primeira conversa com um morador notamos o desconforto do mesmo em falar connosco e com a possibilidade de gravações. Conseguimos solucionar o problema através de muita persistência em encontrar contactos: primeiramente com a Assistente Social Carla Carvalho, depois com um outro Assistente Social Jorge Vinhas, até encontrarmos Ana Vale, moradora do Bloco 17 que se disponibilizou para falar connosco.
No dia das gravações tínhamos idealizado uma linha de reportagem que acabou por mudar totalmente na hora em que começamos, o que me fez perceber que temos realmente de ser resilientes e de nos adaptarmos a qualquer situação inesperada. Mas, apesar de não ter sido como planeámos, fiquei surpreendida com o espírito de vizinhança existente – no Bloco 17 - que acabou por se fazer sentir no dia das gravações, onde pouco a pouco íamos conseguindo mais uma pessoa que quisesse estabelecer contacto verbal connosco.
Por último, algo que já tivemos em conta na construção desta investigação, é começar a mesma com antecedência pois tendem a existir sempre mais coisas em falta, como planos videográficos ou fotografias, o que no nosso caso aconteceu, mas que não se revelou um problema porque ainda tínhamos disponibilidade para lá ir atempadamente. Posso considerar de facto, que um trabalho em campo, completamente à nossa responsabilidade, me fez desenvolver a capacidade de sair da zona de conforto e de adquirir uma certa independência e autonomia, fomentando o nosso espírito de iniciativa.
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Militares do bairro
Raquel Batista
A realização deste trabalho foi um teste à minha resistência. Lembro-me de ir ao Cerco numa manhã de chuva com pouca gente pelas ruas, mas tudo me parecia uma opção para o trabalho. A minha ideia inicial era fazer um trabalho sobre artistas do cerco, mas nos últimos tempos tinha visto diversos trabalhos jornalísticos e filmes sobre o exército por esse mundo fora. Até que se fez uma luz. Eu não conhecia ninguém no bairro que achasse que me podia conduzir até alguém assim, que fosse ou tivesse sido militar, mas não custava tentar.
Simultaneamente ao planeamento deste trabalho para géneros jornalísticos estava a fazer um trabalho com os Oupa! e conheci o Ricardinho, membro dos Oupa! Cerco. Ele falou-me de um amigo dele que estava emigrado em França e que me podia ajudar no que eu pretendia. Eu estremeci um pouco. Em França? Só se ligar para ele pelo Skype. Felizmente estava a chegar a época do natal e ele ia regressar a Portugal para estar com a família. Conversei com ele e ele levou-me a mais nomes, pessoas que mostraram interesse em fazer parte do trabalho, mas recuaram no terreno na hora H. Só tinha uma entrevista, seria muito pouco para um tema assim.
Estive com o Milton e entrevistei-o e ele falou-me de um rapaz que trabalhava num bar no Porto, e que tinha entrado no mesmo ano que ele na tropa. Liguei para o bar e disseram-me que ele entrava no trabalho à 00:00h. Estava muito frio nessa noite, por isso calcei as luvas e fui. A música estava porreiríssima, mas ele não chegava e eu tinha aulas cedo no dia a seguir. Até que ele apareceu e combinamos uma entrevista para o dia seguinte. Foi excelente. Ele deu-me o contacto de um amigo dele que costumava estar muitas vezes perto da minha zona de residência e marquei um café. Ficamos a tarde inteira a conversar sobre tudo e mais alguma coisa.
Tinha tudo o que achava imprescindível para o meu trabalho, mas faltavam as fotos do tempo deles na tropa que ficaram de me enviar, mas por por estarem estragadas, outras por não encontrarem não pude usá-las. Estremeci outra vez quando chegou a altura de começar a escrever. Como começar? O que não dizer? Qual foi o combinado?
A todos disse que só publicaria o que eles me deixassem publicar. E assim foi. Isto era importante para o jovem do bairro que fosse para o exército amanhã, para todas as pessoas que fossem do bairro. Tinha de tentar contar isto da melhor forma. Tentei, sempre a estremecer, mas tentei.
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Orquestra Juvenil da Bonjóia: Como é que a música muda vidas?
Ana Rita Castro
Na realização do trabalho de reportagem sobre a Orquestra Juvenil da Bonjóia foi possível constatar que se verificaram algumas dificuldades. Para além da dificuldade de desenvolver um trabalho de investigação que requer a ida ao local, neste caso ao Bairro do Cerco, surgiram também dificuldades associadas às questões profissionais, nomeadamente ligadas à ética e deontologia que fazem parte do código pela qual se regem os jornalistas.
Ao longo da licenciatura, os trabalhos propostos consistiam numa relação teórica entre um fenómeno comunicativo e a matéria abordada ao longo da respetiva unidade curricular, ao contrário deste trabalho final de Géneros Jornalísticos que implicava uma abordagem totalmente prática e de compromisso. O fator Bairro do Cerco como local onde realizar a reportagem exigiu um cuidado e responsabilidade da nossa parte, pelo facto de termos como missão desmistificar a ideia pré-concebida atribuída a esta comunidade.
Na prática, trabalhar as questões jornalísticas foi um dos principais desafios. Inicialmente, surgiu um trabalho de investigação que determinaria como quem deveríamos entrar em contacto, como o poderíamos fazer e de que maneira conseguiríamos a melhor história. Portanto, uma das aprendizagens que adquiri com a realização do trabalho corresponde ao tempo prévio de desenvolver um guião. Determinar os contactos que devemos manter para a realização da reportagem e fazê-lo antecipadamente para que seja possível obter respostas dentro do tempo estipulado.
Do ponto de vista humano, desde o início da sua realização que percebi que o trabalho necessitava da minha entrega e dedicação para alcançar o objetivo pretendido. Na realização de um trabalho de reportagem é extremamente importante que o jornalista se prepare antes de realizar uma entrevista ou simplesmente manter uma conversa dentro do contexto. Neste sentido, optei por tentar atribuir a mim mesma um papel de boa ouvinte, com uma perspetiva atenta e interessada, preparada para as histórias que os entrevistados quisessem partilhar, este que é um dos principais fatores na realização de um trabalho de reportagem.
Para além destas questões, também a descodificação do que podia ser trabalhado, no sentido de saber que perguntas poderíamos ou não fazer, com uma reflexão sobre como poderiam ser as reações por parte dos entrevistados, pensar em determinadas questões que, de alguma forma, invadiam uma “esfera” que em muito lhes dizia respeito e que não podiam simplesmente ser partilhadas.
Numa reflexão após a realização do trabalho no Bairro do Cerco é possível verificar que, de um modo geral, a maioria das dificuldades foram ultrapassadas. Os entrevistados colaboraram na realização do trabalho, principalmente no que diz respeito ao conteúdo multimédia, e conseguiram expor abertamente em que consistia o projeto Música para Todos e o surgimento da Orquestra Juvenil da Bonjóia. Com a realização deste trabalho conseguimos destacar a importância deste projeto para crianças em situações de exclusão social, este que também era um dos nossos principais objetivos.
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Orquestra Juvenil da Bonjóia: Como é que a música muda vidas?
Mara Sofia Eusébio Craveiro
A realização deste trabalho passou por experiências novas, umas boas e outras más, mas possíveis de levar para a nossa vida profissional e pessoal como um ensinamento. No início quando a professora abordou o tema demonstrou-se difícil encarar com leveza um assunto que tanto nos colocava medo e ansiedade, no entanto cheguei à conclusão de que não devemos temer algo sem primeiro tentar conhecer como realmente é, e com o Bairro do Cerco foi assim.
O medo instalava-se a cada segundo que se falava do trabalho, as primeiras ideias não pareciam dar certo porque o risco de ninguém querer falar connosco era imenso. Dessa forma, a maior dificuldade que transpusemos enquanto grupo e também individualmente foi, sem dúvida, “perder o medo do desconhecido”. Numa primeira ida ao Cerco o ambiente estava tranquilo e afinal de contas não era assim tão mau quanto se pensava, o estigma associado a esta comunidade acabou por se perder a partir do momento em que a conhecemos pessoalmente.
A ideia de realizar um trabalho sobre a Orquestra Juvenil da Bonjóia surge em pesquisa quando procuramos novos projetos no bairro do Cerco e de imediato decidimos contactar os responsáveis. No dia da entrevista a escola estava sem alunos devido às férias de natal e foi fácil de entrar sem que ninguém se manifestasse contra a nossa presença. O mesmo não aconteceu da segunda vez quando nos preparamos para assistir ao ensaio, entramos na escola e ela estava cheia de alunos desde os pequenos aos mais graúdos que de imediato se questionaram sobre quem seriamos. Esse sentimento de estranheza no início era sentido por mim por estar num local onde não pertencia e no final esse factor foi sentido pelos membros da comunidade.
Durante a gravação do ensaio alguns dos alunos sentiram-se desconfortáveis com a nossa presença e inclusive paravam de tocar quando pressentiam as nossas ferramentas de trabalho mais de perto. Foi difícil nesse aspeto, mas o maestro tentou colocar-nos á vontade transmitindo aos alunos que não tinha qualquer problema estarmos lá, de certo modo pensávamos que eles já estavam habituados a este tipo de situações uma vez que já tinham sido filmados antes.
A viagem ao Curso de Música Silva Monteiro foi mais longa, no entanto a entrevista decorreu bem e o diretor pedagógico recebeu-nos quase como se fizéssemos parte do núcleo. Já com o depoimento do diretor da escola do bairro do cerco, a entrevista que fizemos ao diretor pedagógico do curso de música foi de certo modo mais fluída por já possuirmos conhecimentos sobre a orquestra.
Em suma, o nosso maior constrangimento foi realizar o trabalho em época de férias de natal, uma vez que precisávamos dos alunos para executar uma grande parte do nosso trabalho. A nível de experiência concluo que nada é mais gratificante do que conhecer novos contextos sociais e ter a oportunidade de trabalhar junto deles.
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Cerporto: um projeto que dá vida ao cerco
Tiago Fonseca
A minha primeira ida ao bairro do cerco coincidiu com a realização deste trabalho. Assim sendo, e tendo em conta todo o estigma que está por detrás do cerco, não posso afirmar que fui muito confortável. A verdade é que, quando lá cheguei por volta das 9h:45m, deparei-me com um local completamente sossegado e tranquilo. No entanto, não pude deixar de reparar , à medida que me ia aproximando da associação Cerporto, que existiam largas quantidades de lixo amontoadas ao longo dos jardins que delimitavam os prédios, o que não foi de todo convidativo.
As principais dificuldades com que lidei na realização do mesmo passaram pela marcação da entrevista com as pessoas envolvidas , o que me levou a ter vários planos B para o caso de o primeiro falhar ,o que acabou por acontecer. Outra dificuldade foi a resistência que os utentes da associação tiveram para expressar a sua opinião , só o fazendo depois de garantirem que eu não estava a gravar a sua voz.
O ponto forte do meu trabalho é ,essencialmente, o facto de dar a conhecer uma associação que tem feito muito pela comunidade do cerco, mostrando assim que efetivamente existem coisas boas a acontecer no bairro, para além das histórias medonhas que os media noticiam. Conta também com duas utentes que testemunham esse papel, e com a perspetiva de duas colaboradoras da associação relativamente ao dia-a-dia no bairro.
Com a realização deste trabalho penso que evolui em vários aspetos, particularmente na questão da persistência, absolutamente crucial nesta temática. Aprendi também que é fundamental iniciar um trabalho de reportagem com bastante antecêndia para, no caso de surgirem problemas de maior ,termos capacidade de resposta.
Posto isto , penso que o balanço do trabalho é bastante positivo, não só pela experiência, como também pela visão diferente, para melhor, que obtive da realidade do bairro.
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Cercados: Os Jovens do Bairro
Patrícia Sofia Pereira
O fazer sozinha. O estar sozinha. Procurar sozinha. Num local que não havia conhecido, pessoalmente. Apenas por histórias, conhecia o que era o bairro. Falavam das drogas, do crime, dos ciganos e das desigualdades sociais. Grande parte das vezes com um traço amargo na voz - quase que com revolta. Quando foi proposto este trabalho, fomentou o meu espírito aventureiro. Agarrei com toda a força este ideal de conhecer a verdade, por aqueles que a vivem. Seria um ritual de passagem, na minha formação académica e pessoal.
Gosto especialmente de ler diários de reportagem. Aqueles que nos fazem sentir lá. Nos quais a descrição roça o perfeito, o tocável. Onde as palavras se tornam encenações na nossa mente. Por isso, ter criado secções conforme a vez que visitava o bairro e as suas pessoas.
A nível pessoal, foi fantástico. Sou, pela minha educação e familia, uma pessoa que na sua vida normal, vê interesse em discutir todos os tópicos, pensar em tudo o que me rodeia e procurar discutir com outros. Isto foi, também, um processo de descoberta. Já viajei sozinha, trabalho e estudo - como tanto outros colegas - e sou muito independente. Mas desta vez, estava receosa. Algo que me foi passado. Por amigos, pela família e muito pela avó. Que tanto lhe dou ouvidos. Mas desde o inicio da minha vida, que sou a miúda que queria e fazia. Dizia e acreditava. Então foi só uma pequena batalha: como vou entrar no bairro? Como vou fazer com as pessoas? Devo abordá-las de uma forma diferente?
Algo curioso que me surgiu mesmo agora na mente.. Tenho andado a fazer um estudo de caso, sobre as mudanças televisivas. Sou hoje mais atenta aos processos. Muito mais atenta à linguagem televisiva - a humana e a da imagem. Muito influenciado pela nossa ida à RTP. E sempre me surge na ponta da língua, o “ de pessoas para pessoas”. Como podem os apresentadores ser sucedidos? É certo que falamos de entretenimento, mas a estratégia é igual. Entramos dentro da sua casa, no berço das suas conquistas e fragilidades. Partilhamos quem somos e estabelecemos confiança. Fazemos com que se sintam ouvidos, desejados e precisos para a continuidade. Eu sou uma mulher de carinho, no meu circulo social. Sou a mulher que fala sobre o tempo com uma outra senhora ou senhor - enquanto espero pelo comboio - para um inicio de conversa. Sou a que agarra na mão de um ou uma idosa, para subir a rua. Então, apercebi-me, que não tinha de mudar. Tinha de chegar e ser quem sou. Umas vezes, a expressão “oh amor, que linda que está o dia. Vou à minha vida, que ando de gravador na mão.. é para um trabalho.” Tal como sou e faço “ cá fora”. O segredo é o respeito, a compreensão, a humildade e o aceitar que muitos se vão ficar só pela conversa que não será gravada. E isso é tão bom na mesma.
Sendo o meu tópico, os jovens e sendo eu também uma jovem, senti que de alguma forma, havia uma desconfiança, incredibilidade no meu trabalho, talvez. Na cabeça deles talvez passasse: Porque vem uma rapariga sozinha para o bairro? Talvez a parte da educação ocidental em mim, me tivesse limitado. Não se sentiam representados, talvez. Mas no processo, vai surgindo algumas coisas extraordinárias. Depois de uma publicação sobre o decorrer do meu trabalho no cerco, fui recebendo mensagens. De jovens que lá vivem. Diziam: continua... exelente tópico... Que bom ter alguém que fala... Mas que depois, se escondiam por entre as redes sociais e não queria dar a cara, dar a voz. Entro numa outra problemática. As histórias, as caras, o falar para o jornalista. É certo que as pessoas do bairro do cerco parecem que recalcadas pelos media. Não lhes inspira a confiança. E os novos jornalistas vão, eventualmente, seguir os mesmos caminhos. Quebrar essa barreira foi complicado. Principalmente quando decido abordar algo fraturante como os jovens, a educação e as dissemetrias entre o ocidental e oriental.
Outra das questões relevantes foi o período da realização dos trabalhos. As férias de natal. O tempo chuvoso e frio. Influenciou, a meu ver, a limitação e um mais difícil alcance às pessoas, às histórias.
No que diz respeito aos pontos fortes e fracos do trabalho, passo a enumerá-los, respetivamente:
- Bom alcance de fontes oficiais;
- Envolvimento pessoal;
- Trabalho a solo;
- Bom uso dos estudos e visões teóricas;
- Recurso a metodologia diário reportagem;
- Hibridização do jornalista: diversas facetas (escrita criativa, edição de video e som, fotografia, estudo de jornalista)
- Atrevimento e rotura com a zona de conforto;
- Mente aberta aquando da escolha de tópicos do trabalho;
Negativos:
- Faltava mais vozes jovens;
- Mais fotografia;
- Talvez um efeito “ dentro e fora” - opiniões sobre o bairro de jovens não residentes;
- Criação de perfil de diversos jovens do bairro (quase que álbum individual de memórias)
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Vida no bairro: Virtudes e Defeitos
Bernardo Monteiro
Em retrospectiva, à partida para este trabalho, partimos com algumas dificuldades. Não tínhamos feito muitas reportagens até á data, não sabíamos por onde abordar o tema geral pois havia múltipla hipóteses de forma de tratamento do assunto. Isto juntamente com as características específicas do sítio tais como a sua localização e a conotação que o próprio sítio transmite a quem não e de lá foram os principais entraves iniciais. À medida que fomos avançando com a investigação, percebemos que aquele era um meio em que as pessoas eram “fechadas” e por norma não gostavam muito de responder a perguntas, muito menos de quem nunca tinham visto por lá. Aí residiu outro desafio, o de saber chegar às pessoas e pô-las confortáveis a falar connosco de modo a conseguirmos captar o máximo de informação. Depois de descoberto o tema do trabalho, foi a altura de descobrir como íamos conseguir que as pessoas se quisessem abrir connosco sobre as suas opiniões, duma coisa tão íntima como é o local onde nascemos e crescemos. O local específico onde iríamos falar com as pessoas também era muito importante porque teríamos de ir ao coração do bairro, pois é lá onde se sabe o que se passa. E que sítio melhor que o café do bairro onde tudo se sabe e tudo se comenta? Em termos de aprendizagens foi um exercício que nos permitiu desenvolver capacidades de interação enquanto repórter, ensinou-nos que há várias maneiras de abordar um tema mesmo que pareça igual para todos e que cada um tem o seu ponto de vista, no que toca a cada assunto e podemos obter trabalhos todos diferentes dum tema que à partida não haveria muito a explorar. Pessoalmente foi um trabalho que nos abriu os olhos para certas realidades e mostrou que em todo o sítio há gente boa que quer e gosta de cooperar e que não devemos criar preconceitos de alguém baseado em coisas tão ínfimas como o sítio onde mora, as suas raízes ou o seu modo de vestir.
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Vida no bairro: Virtudes e Defeitos
André Nunes
As maiores dificuldades foram sentidas mesmo antes de chegar ao bairro. A maior dificuldade foi mesmo ultrapassar o receio de algo pior poder acontecer, isto porque íamos entrar em algo bastante rotulado como perigoso, um sítio onde nem todos podem ir. No entanto este grande medo desaparece depois de entrarmos e percebermos que problemas e situações podemos passar em qualquer parte do planeta.
Fui ao bairro pela parte da manha e estava tudo muito tranquilo. Poucas pessoas na rua e a companhia do Vicente que habita no bairro foram essenciais para a boa realização deste trabalho. No entanto o facto de haver poucas pessoas acabou também por dificultar a nível de testemunhos, porque nem todos querem dar a sua opinião sobre o bairro.
Quando conseguimos as declarações de algumas pessoas conseguimos perceber duas coisas: Que o bairro não é tao mau como nas pessoas de fora fazemos, mas também percebemos que as pessoas que la habitam tem por vezes um certo receio. Normalmente achamos que as pessoas que habitam o bairro estão tranquilas pois como estão dentro do meio nada lhes ira acontecer, no entanto alguns dos habitantes acabam por ter um certo receio de que algo pior possa acontecer.
No entanto o que mais me surpreendeu no bairro foi a quantidade de lixo que as pessoas conseguem ter mesmo a porta de casa. Claro que em certas zonas do bairro estava tudo completamente limpo e cuidado, mas passamos por certas zonas onde se nota que o lixo para certas pessoas não é importante, em certos jardins éramos capazes de ver mais lixo do que o verde da erva.
Penso que evolui bastante em vários aspetos. Sinto que tenho muito mais disponibilidade e à-vontade para falar com qualquer tipo de pessoas, descartando o seu aspeto, de onde são ou outra coisa qualquer que poderia ser uma barreira anteriormente. Aprendi o trabalho que pode dar realizar uma reportagem que apesar de parecer simples antes de ser executada, acaba por exigir um trabalho longo, cuidado e atento. Aquilo que por vezes achamos que não vai ser importante ou contribuir em nada, pode ser uma grande ajuda para o resultado final.
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Orquestra Juvenil da Bonjóia: Como é que a música muda vidas?
Patrícia Isabel Teixeira Dias
A ideia de trabalhar o tema da Orquestra Juvenil da Bonjóia surgiu numa pesquisa durante uma das primeiras aulas da Unidade Curricular. Inicialmente o que idealizei com este trabalho estava muito aquém do que acabou por ser. A informação sobre o tema na internet é escassa e muito vaga e por isso só após começar a trabalhar na reportagem é que me elucidei sobre o projeto.
Primeiramente, eu e as minhas colegas Rita Castro e Mara Craveiro estipulamos três secções fundamentais da nossa investigação. Como tudo começou- quais os seus fundadores. O ensino articulado na Escola Básica e Secundária do Cerco - o papel do diretor, professores e encarregados de educação. E por último, o testemunho de um aluno que beneficia do projeto e quer profissionalizar o seu percurso na música.
Na pré pesquisa, chegamos desde logo ao Curso de Música Silva Monteiro (CMSM), um dos procriadores do projeto Música Para Todos. Pensei que seria difícil agendar uma entrevista uma vez se tratava de uma escola privada e a resposta tardou a chegar. Contactamo-la em meados de novembro e só um mês mais tarde recebemos feedback. Uma entrevista agendada para três dias antes da apresentação do projeto. A questão do tempo foi um inconveniente, porém não poderíamos ter sido melhor recebidas pela instituição. De braço dado ao CMSM, a Câmara Municipal do Porto, também seria um órgão que fazia todo o sentido estar integrado neste trabalho, mas que, por questões burocráticas não nos foi possível solicitar.
A recolha de informação na escola Básica e Secundária do Cerco foi um processo facilitado pelo diretor. Este tratou de informar os encarregados de educação relativamente às filmagens e gravações do ensaio, e ainda foi muito colaborativo na entrevista que lhe fizemos. Em conversa, obtivemos informação sobre o projeto Música Para Todos que ainda não tinha sido partilhada – a alteração dos seus financiadores. Um momento forte deste trabalho dado que recebemos a notícia em primeira mão pelo diretor. Contudo, o agendamento do dia em que assistimos ao ensaio da orquestra foi uma das dificuldades, uma vez que dependíamos da presença dos alunos e estes estavam em período de férias de Natal. Um constrangimento que poderia, de facto, ter sido evitado se o planeássemos precocemente.
Relativamente a questões éticas que nos surgiram, apenas é de mencionar a oportunidade de conversar com Djonathan, o aluno entrevistado, pois tivemos que ter em consideração que se tratava de um menor. Para isso conversamos com a gestora do quarteto musical que desde logo demonstrou disponibilidade e nos deu o “ok” para prosseguir.
O elemento em falta que completaria este trabalho jornalístico seria a incorporação de um concerto da orquestra. Os eventos não são muito regulares sendo que o próximo está agendado para dia 29 de janeiro, e desta forma incompatível com a data de entrega da reportagem. Pessoalmente, acho que foi um ponto que falhou no nosso trabalho e que o tornaria mais completo.
Este projeto de investigação jornalística foi o primeiro que, a nível pessoal, me expôs o que é exercer no ramo. A reportagem exige de facto que mergulhemos sobre o assunto, que entremos em contacto com a realidade, o local, o terreno, as pessoas. Sim, as pessoas. Foi o que de melhor retirei deste trabalho. O contacto com as pessoas. Ouvir a sua história, o seu testemunho, o que cada um tinha a acrescentar sobre o projeto. Estas vozes foram as peças que construíram o puzzle que é esta reportagem. Tenho ainda de fazer uma ressalva as personalidades envolvidas no projeto, todas nos foram acessíveis e afáveis, o que facilitou a realização da nossa investigação.
O título final do trabalho: “Orquestra Juvenil da Bonjóia: Como é que a música muda vidas?” remete para a grande conclusão que retirei com este trabalho. De facto, trata-se de um projeto para a comunidade do bairro do Cerco que efetivamente está a ter um impacto muito positivo na vida dos jovens que o integram. A música é assim um elo de inclusão e igualdade social.
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O João d’A Maceda: O ponto de encontro bairrista
Vicente Garim
Na minha opinião, este trabalho teve um grau de dificuldade mais acrescido em relação ao que foi realizado no ano passado. Foi segundo trabalho de investigação que realizei para a Unidade Curricular e num contexto que me é muito familiar, devido ao tema comum escolhido para a reportagem. Foi uma tema que me permitiu dar a conhecer o local onde vivo e onde cresci e deu-me a oportunidade de demonstrar e desmitificar alguns preconceitos acerca do Bairro do Cerco do Porto.
Para além de toda a aprendizagem a nível jornalístico, este trabalho fez com que conseguisse conectar e conhecer os restantes alunos da turma, que praticamente não conhecia, e espero ter conseguido ajudar aqueles que vieram ter comigo e que precisaram de um conselho, um guia ou simplesmente o melhor caminho ou transporte para o Cerco do Porto.
Em termos jornalísticos uma das maiores dificuldades, mesmo conhecendo grande parte das pessoas, foi colocar as pessoas à vontade e disponíveis para falar. Num ambiente tão fechado como é um bairro, no sentido em que as pessoas não se predispõem tão facilmente a falar com uma cara que não é conhecida, o maior desafio foi mesmo arranjar testemunhos. No contexto em que foi realizado o nosso trabalho, após transpor esse obstáculo, senti que já eram as pessoas que vinham ter comigo e com a Rosária para falar.
A maior satisfação ao realizar esta reportagem foi sem dúvida o facto de os clientes do estabelecimento me reconhecerem pela semelhança ao meu pai. Muitas dessas pessoas cresceram no bairro juntamente com ele, e apesar de nunca terem convivido comigo ou sequer me conhecerem mas a partir do meu pai saberem quem eu sou, foi sem dúvida muito gratificante. Fiquei a conhecer algumas histórias que não sabia e que se não fosse este trabalho, provavelmente nunca iria ter conhecimento.
Para concluir, retiro deste trabalho uma grande experiência pessoal e jornalística. A reportagem foi feita em conjunta com uma pessoa que estimo muito e que já conheço desde o primeiro ano de faculdade, o que também ajudou a que tudo isto chegasse a bom porto e tivesse sucesso.
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O João d’A Maceda - O ponto de encontro bairrista
Rosária Gonçalves
Naquela segunda-feira, dia 29 de outubro de 2018, levantei-me como um dia normal e fui para a universidade onde teria aula de Géneros Jornalísticos. Podia ter sido uma aula habitual, no entanto foi a aula em que debatemos o tema para realizarmos uma reportagem como trabalho final. Entre uma sugestão e outra, ficou definido que teríamos de ir ao Bairro do Cerco do Porto. Só pensava: “estão loucos”. Era um mundo completamente novo. Um mundo que só conhecia pelos retratos e estereótipos que fui ouvindo na rua e nos meios de comunicação social. Um retrato baseado em problemáticas, desde a droga aos assaltos. Mas, de facto, eu não conhecia. Por isso, aquela podia não ser a verdadeira realidade. E assim começou o desafio.
Voltei para casa com um misto de sentimentos que não conseguia explicar. Se por um lado estava entusiasmada por ser um desafio intenso, por outro, tinha presentes todos aqueles estereótipos que ouvia e um receio do que podia acontecer.
Mas partimos para o terreno. Tive um privilégio: ir para um terreno desconhecido com um colega de trabalho que o conhecia como a palma da mão.Ninguém melhor que o Vicente para partir nesta descoberta.
Parti para o desconhecido, mas rapidamente se tornou num ambiente muito familiar. Talvez porque numa tasca é mesmo assim, ou porque as pessoas que a frequentam permitiram que assim me sentisse. Para além disso, eu tinha uma peculiaridade: era uma mulher numa tasca que, de mulheres, só lá vai a rifeira. Senti um carinho especial. Senti que frequentava aquela tasca há anos e que vivia ali, como aquelas pessoas. E talvez por isso, a dificuldade enquanto trabalho jornalístico tenha sido tanta e tão desafiante.
A constante informalidade e proximidade que se vive foi um ponto a favor para que conhecesse aquele novo campo de trabalho, no entanto, prejudicou na forma como as pessoas me davam o seu testemunho. Foi difícil não me envolver naquelas histórias e naquele ambiente informal em que todos falam ao mesmo tempo.
Com este projeto cresci enquanto jornalista. Foi difícil perceber aquilo que podia ou não publicar, o que seria ou não interessante para quem conhece e quem não conhece a Tasca e o Bairro do Cerco. Foi um crescimento pessoal, acima de tudo. Esta investigação trouxe-me, pessoalmente, ensinamentos. Essencialmente que um jornalista se faz de trabalho, pesquisa e determinação. Daqui levo uma norma para a vida: é preciso sair da zona de conforto, porque lá tem muitas novas histórias para conhecer e, sobretudo, dar a conhecer.
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Futebol Clube do Cerco do Porto
Eduardo Costa
A maior dificuldade encontrada foi não haver nenhum ex-jogador, dirigente, treinador, ou membros da equipa técnica que se disponibilizasse para falar com o grupo. Com esta adversidade não foi recolhido a quantidade de material que era expectado. Isto foi superado aumentando o número de perguntas feitas a quem conseguimos entrevistar, nomeadamente o ex-presidente Fernando Soares e o adepto Ivo Sousa. Se existisse a possibilidade de realizar mais entrevistas haveria mais informação e maior diversidade na multimédia utilizada. O antigo campo de treinos do Futebol Clube do Cerco do Porto encontra-se tapado por uma rede, devido ao clube Salgueiros realizar os seus treinos nesse local. Logo, tornou-se impossível captar imagens da totalidade do campo. O grupo conseguiu superar isto tirando fotografias ao terreno de acordo com as condições possíveis. A presença de pessoas à entrada da sede do clube dificultou a captação da quantidade de imagens que o grupo pretendia., no entanto, foi possível fotografar as duas imagens apresentadas anteriormente.
No momento de seleção do tema o grupo ficou um pouco reticente, pois não era algo que nos agradasse por completo. Porém, depois de estar no Bairro do Cerco o grupo entendeu que não era tão mau quanto expectava e conseguiu realizar a reportagem sem grandes dificuldades. Possibilitou, também, alterar a ideia pré-concebida que tínhamos acerca do Bairro e mudar um pouco a nossa perspetiva relativa a isso.
O trabalho permitiu ao grupo entender melhor a maneira de realizar uma reportagem. O facto de ir ao terreno, procurar pessoas para entrevistar e superar dificuldades que foram encontradas ao longo do caminho, permitiu-nos melhorar como jornalistas e adquirir maior experiência para um momento futuro.
O grupo sentiu na realização da reportagem que existiram algumas questões profissionais a melhorar. O trabalho de pesquisa devia ter sido mais exaustivo, e a procura de fontes para entrevistar devia ter sido maior. Podia ter existido a tentativa de entrar na sede do clube, com vista a recolher mais informação e possíveis fotografias e/ou documentos antigos.
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Futebol Clube do Cerco do Porto
João Rocha
As dificuldades encontradas na reportagem do Futebol Clube do Cerco passaram pela pouca variedade de fontes. Não foi possível encontrar todos os testemunhos desejados, especialmente antigos membros do clube. A nível de fotos também foi complicado porque o estádio estava tapado com redes para não ser possível ver os treinos da equipa que treina lá agora, o SC Salgueiros. As únicas fotos que o grupo conseguiu foi da sede do clube, e no café onde entrevistou o ex-presidente Francisco Soares. Na minha opinião, o Atavist é um site acessível para trabalhar, mas tanto eu como o Eduardo tivemos dificuldades em importar os vídeos, o que consumiu grande parte do nosso tempo. A maior aprendizagem foi um conhecimento mais aprofundado da realidade deste tipo de futebol pelo facto de ser apreciador do desporto e poder ter uma percepção da forma como se lida com o futebol distrital e amador. A nível de reflexões ajudou-me a ter iniciativa de ir recolher informação ao local com vista a preparar-me para o futuro da profissão. Para além disto, vivi a experiência de ir ao Bairro do Cerco e ver como é a vida naquele bairro, o que me surpreendeu pela positiva por ser mais acolhedor do que estava à espera. Tinha outra ideia do bairro e nos momentos vividos percebi que os estereótipos criados são normais neste tipo de ambientes, mas podemos apanhar isso em qualquer lado sem ser no Cerco. Todas as pessoas que abordei foram prestáveis e ajudaram-me ao máximo com a informação transmitida.
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APPC: incluir a las personas con parálisis cerebral en el día a día
Agustina Uhrig Pousada
La principal dificultad y la que resulta más obvia es la cuestión de la lengua. A lo largo de la realización del reportaje, me he dirigido a todas las personas con las que me he cruzado en portugués pese a no desenvolverme tan fluidamente como me gustaría. A pesar de este detalle, he conseguido hacerme entender y comprender a aquellos a los que me estaba refiriendo, recibiendo incluso cumplidos por mi desempeño.
Una vez establecida la cuestión de la lengua, también es evidente que el hecho de visitar el barrio por primera vez supuso otro reto. La zona era totalmente desconocida para mí y la investigación previa a la visita, así como las conversaciones con compañeros de clase sobre el lugar, crearon en mí un muro de prejuicios que solo conseguí saltar visitando el Cerco y conociendo de primera mano la realidad del vecindario. Además, esta era la primera vez que realizaba un reportaje de semejante calibre sin ayuda de compañeros, lo que le añadía dificultad.
El tema era nuevo para mí. Las falsas creencias y mitos sobre la parálisis cerebral eran parte de mi forma de pensar. El estudio de la APPC y las conversaciones con sus diferentes miembros, han supuesto una deconstrucción de estos mitos sobre lo que es la parálisis cerebral y cómo afecta a quienes viven con la condición. El principal aprendizaje: la parálisis cerebral no implica deficiencia cognitiva. La realización del reportaje no solo ha supuesto un aprendizaje constante sobre la parálisis cerebral sino también sobre el quehacer periodístico en su estado más puro.
Explicado todo esto, puedo decir que me siento orgullosa del trabajo realizado pues he puesto todo mi empeño y esfuerzo en su confección. Pese a ello, creo que hubiese sido enriquecedor contar con voces de los clientes de la asociación de modo que se reflejase qué supone y cómo les ayuda en su vida.
En conclusión, me llevo la satisfacción de haber podido realizar este trabajo por mi cuenta, en una zona desconocida y utilizando una lengua que no domino y, sobre todo, de haber aprendido y visto puntos de vista diversos que han cambiado mi forma de pensar.